domingo, 31 de outubro de 2010

Ondas de paixão



[Ronald B. El griego de Esmirna (Nicos)1976-1977]




Nasceu numa pequena cidade de província marcada pelo passar incessante dos comboios a fazerem ranger as sulipas por debaixo dos carris que se perdiam no enevoado horizonte das manhãs, no Inverno, ou na visão delirante das tardes de forte canícula, no Verão. Desde sempre sentira a sua uma cidade demasiado pequena para si. Desde muito novo que se perdia na paixão pela descoberta, pelo desvendar de novos mundos, pelo inevitável desejo que lhe causava o sexo oposto. Um dia surgiu a oportunidade, a sua oportunidade. Estudos secundários concluídos, os pais enviaram-no para a cidade grande onde deveria preparar-se para as exigências de gestão das fábricas de trabalhar a cortiça de que o pai era um dos maiores proprietários da região. E foi nela, na grande Lisboa, que se agigantou e fez homem. Também filho de famílias profundamente religiosas, seguiu como poucos os mandamentos da igreja. E se a oração coloca Deus a exortar a que amemos os outros como Ele nos ama a nós, ele amou as mulheres com quanta força lhe doava a fervorosa paixão que o compunha. Mas não, nunca se fez gestor de fábricas, sequer soube gerir a sua própria vida sem deixar de aceder aos outros impulsos, àqueles que emanam do espírito e da carne. Os dias passaram a tornar-se curtos, as noites quentes e longas. Entrementes, ainda escreveu livros que poucos leram e foi um explorador que bebeu até ao último fôlego à descoberta do fundo das garrafas, garrafas que esvaziava com uma estonteante facilidade. Nunca mais voltou. Nem para as fábricas que trabalhavam a cortiça, nem para a cidade pequena, nem para os pais que o criaram e sonharam. Entregou-se-lhes, a elas, às mulheres. Mas fê-lo sem nunca lhes pertencer. Não apenas a uma porque, afinal, era de todas elas. Como um barco à deriva nas ondas revoltas, balançou entre amores na brancura dos lençóis amarrotados. Lençóis humedecidos pelo suor da paixão.



Dorme de dia, vive de noite. Ainda se passeia algures por aí.


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