quinta-feira, 14 de outubro de 2010

POLLOCK




    
      ED HARRIS ESQUECIDO DE SI PREOCUPOU-SE COM POLLOCK
     
      Ed Harris tem sido sobretudo, e nestes últimos anos, um dos mais carismáticos actores de suporte, se assim se pode dizer, do cinema americano. Apesar de ter já brilhado como figura de cartaz ao longo da sua carreira - inclusivamente como actor de teatro - , tem sido fundamentalmente em papeis importantes e fundamentais mas ainda assim de certa forma secundários que aprendemos a respeitar as capacidades dramáticas do actor. Vulgarmente associado a uma determinada imagem simbólica de uma América mais sonhada que real, Harris debruçou-se agora sobre uma dessas figuras americanas, pertencente igualmente à história artística mundial como grande expoente da pintura expressionista abstracta, ou pintura lírica, que foi Jackson Pollock. Como actor e como realizador.
     
      ( «Pollock», o filme, foi baseado no livro «Pollock - An American Saga», da autoria de Steven Naifeth e Gregory White Smith, cujos direitos Ed Harris adquiriu para si; )
     
      A primeira ideia que nos surge é a de que se a narrativa tivesse uma base ficcional seria incontornável a afirmação de que esta se processava num ritmo ferido de morte, que os factos narrados não passavam de uma conjunção bem urdida dos diferentes estereótipos associados aos artistas: o alcoolismo quase compulsivo de Pollock, a inconstância mental do homem, os seus egocentrismo e egoísmo, as amantes, a depressão permanente, etc. O que efectivamente acontece é que Pollock, o homem, viu a sua vida ironicamente traçada de todas essas formas. Não faz pois sentido falar-se em clichés constatada a dura realidade de uma personagem real que encontrou a pintura na sua vida mas que se perdeu a si mesmo na vida.
     
      A segunda ideia é a do elogio sincero a Ed Harris pela forma como estruturou cinematograficamente a película. O realizador pretendeu que todas as atenções se centrassem no pintor retratado e nunca em si. Não entrou por aquilo que muitas vezes é comum a muitos cineastas, procurar grandes explicações filosóficas para a forma como a criatividade do artista se pronunciava, fazer a subjectiva percepção psicológica muito mais do artista que do homem. Ed Harris não o fez e, quanto a mim, muito bem. Nunca se poderá dizer que este filme é a visão de alguém sobre uma qualquer figura que, no caso, é Jackson Pollock.
     
      Aquilo que se obtém é pois um filme de uma simplicidade encantadora, retratando o q.b. a época objectivada na vida do pintor ( de 1940 a 1956, data da sua morte ). Um filme em que ninguém se coloca em bicos de pés, e onde é filmado o pintor ainda homem simples e anónimo e já então muito inquieto e problemático, e, depois, o artista conceituado permanentemente inquieto e tragicamente problemático. Tudo isto numa viagem que se faz desde os territórios da tristeza do homem, da sua melancolia, dos períodos de alegria e júbilo, filmado na privacidade da sua família ou na confusão da sua vida social. Sem acusar mas também sem absolver. O julgamento, a existir, pertencerá a cada um dos espectadores.
     
      Do realizador já se falou, do actor deve dizer-se que é uma excelente composição a que Harris obtém nesta interpretação, nomeadamente nos momentos mais sofridos. Paralelamente evolui uma actriz que corporiza Lee Krasner, a mulher do pintor, e lhe dá uma dimensão de extrema dignidade o que não deve ter sido de modo algum tarefa fácil dada a conjuntura adversa em que se desenvolve a sua vivência.
     
      Uma agradável surpresa este «Pollock» de Ed Harris.


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