quarta-feira, 20 de outubro de 2010

THE WRESTLER





O Solo de Rourke





A luta livre norte-americana consiste num mundo de personagens extravagantes
que fazem da excentricidade a sua religião e onde a comédia caminha a par do drama. Antes de vermos o filme «The Wrestler» poucos julgaríamos possível que se concedesse alguma dignidade a uma actividade tão difícil de catalogar, especialmente para um europeu, onde tudo está combinado desde quem ganha até como ganha e de que modo vai divertir uma plateia composta por gente histérica e sedenta. Pois é exactamente isso que o realizador Darren Aronofsky, depois do falhado «The Fountain» (2006), acaba por conseguir: conceder humanismo e respeitabilidade a um estranho desporto denominado de Wrestling. E é precisamente neste ponto fulcral do sucesso de «The Wrestler» que entra Mickey Rourke. O actor que nos anos 80 teve um relativo sucesso como símbolo sexual e que abandonou o cinema para abraçar o pugilismo resolveu contar a história da sua vida através da sua interpretação neste filme. E de que modo sensível o fez! Por isso, mais do que a história de um lutador de Wrestling decadente e no ocaso da vida, esta é a história de Mickey Rourke, o homem que fez de grande parte do seu percurso de vida um interminável rol de falhanços.



Não é difícil perceber que com Randy “The Ram” estamos longe do Mickey Rourke que foi dirigido por Alan Parker em «Angel Heart» (1987) ou por Adrian Lyne em «Nine ½ Weeks» (1986), provavelmente o seu sucesso mais mediático. Randy é um lutador em final de carreira que vive de combates de exibição e se humilha em pequenas sessões de autógrafos acompanhado por outros lutadores tão perdedores quanto ele. Para além disto, ao lutador não resta absolutamente nada a não ser a atenção de Cassidy (Marisa Tomei), uma linda stripper por quem nutre muito mais que uma simples simpatia. Este mundo feito de vazios e silêncios a partir de uma velha rulote torna-se ainda mais dramático quando, após um ataque de coração, o médico sugere a Randy “The Ram” escolher entre continuar a lutar ou a morte. O herói que já de si sobrevive apenas nas cassetes vídeo que ilustram os seus combates vinte anos atrás, inicia então uma caminhada no deserto experimentando uma vida normal. Mas como pau que nasce torto tarde ou nunca se endireita, Randy falha a reaproximação à filha que abandonara em criança (Evan Rachel Wood) e não consegue juntar-se a Cassidy. Para Randy “The Ram” Robinson só resta um caminho final: o Wrestling. Ou a morte.



«The Wrestler» adquire nesta fase uma áurea de intenso dramatismo onde as cicatrizes interiores do seu protagonista se tornam muito mais difíceis de curar que aquelas que exibe o seu corpo distorcido pelos abusos e pelo uso de esteróides. O cinema minimalista de Aronofsky detêm-se então numa América escura e de pesadelo e o espectador inicia um processo de entronização interior que lhe é transmitido pela amargura daquilo que vê. Randy “The Ram” Robinson, despojado daquilo que é, um lutador de Wrestling, deixa de interessar ao seu semelhante, passa a ser visto como o falhado em que realmente se tornou. E como o soldado que morre no campo de batalha, entre lágrimas Randy decide continuar a fazer aquilo que o faz sentir-se digno e respeitado, lutar.



Mickey Rourke, o homem, depois do pugilismo foi obrigado a operações plásticas para recomposição do seu rosto; Mickey Rourke, o actor, teve em «The Wrestler» a oportunidade de regressar ao único palco onde se fez grande, o cinema. E é a si, pese ser este o melhor filme de Darren Aronofsky, indiscutivelmente, que o filme deve parte de leão do seu sucesso. Quanto ao espectador que vá assistir a «The Wrestler» prepare-se para viver quase duas horas de película que nos mostram o percurso dramático de um homem que caminhou sobre as estrelas até se estatelar cá em baixo na terra. E perante isto, o Leão de Ouro ao filme, em Veneza, o Globo de Ouro de Rourke e as nomeações deste e de Marisa Tomei aos Oscars tornam-se irrelevantes. A não ser como veículo promocional do filme. Grande Mickey Rourke! Que força é essa amigo? Que força é essa que trazes nos braços?





«The Wrestler», de Darren Aronofsky, com Mickey Rourke, Marisa Tomei e Evan Rachel Wood


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