terça-feira, 12 de outubro de 2010

28 DIAS DEPOIS

      

     




A SEDUTORA APOLOGIA DO VÓMITO
     
      Jogar em casa tem as suas vantagens. Que o diga o britânico Danny Boyle, que depois de ter surpreendido o mundo do cinema com «Trainspotting» (1996), atravessou o oceano até aos EUA para realizar «A Praia» (2000), filme que ficaria aquém das expectativas anteriormente geradas. Regressado à terra natal, Boyle não esteve com meias medidas e realizou uma obra de ficção científica cruzada de filme de terror em que o povo do Reino Unido acaba exterminado por um estranho vírus que se propaga como o conhecido ébola e, entre outros hediondos sintomas, provoca asquerosos vómitos. Curioso é verificar-se que o romancista de «A Praia», Alex Garland, é agora o argumentista de «28 Dias Depois». E que à excepção do conhecido Brendan Gleesan («Gangs de Nova Iorque», «A . I.», e por aí fora) e de Christopher Eccleston (o marido de Nicole Kidman em «Os Outros») todo o restante elenco se caracteriza pelo seu relativo anonimato.
     
      Tudo começa quando uma associação de activistas dos direitos dos animais invade um laboratório e resolve libertar um grupo de símios enjaulados, indiferente aos avisos de um cientista sobre os perigos para a humanidade decorrentes do vírus de que estes eram portadores. Tempos mais tarde, quando Jim (Cillian Murphy) acorda do coma em que se encontrava mergulhado, depara-se com uma Londres deserta e caótica não percebendo muito bem o que motivara tal. O que ele vai ter que perceber rapidamente é que terá que fazer pela vida pois os humanos que vai encontrando só o são na aparência já que se encontram possuídos de um incontrolável desejo de morte. Na verdade, o vírus referido não provocava a morte como tal mas sim uma espécie de prolongamento alucinado da vida num estado que poderá equivaler-se, isso sim, ao de morto-vivo. Jim acabará por encontrar quem, como ele, ainda não se encontra infectado e juntos rumarão para norte onde correm rumores de que um pequeno exército se organiza na tentativa de deter o anunciado apocalipse.
     
      Patenteando ter ido beber inspiração a filmes como «A Noite dos Mortos Vivos», de Romero, em «28 Dias Depois» Boyle constrói uma obra plena de interesse e suspense que acaba por se revelar um interessante tratado sobre a natureza humana. Na verdade, sob a aparência de filme de baixa produção onde a construção narrativa parece obedecer a um assumido desregramento ficcional, isto é, quanto maiores forem os horrores e menos verosímeis os actos perpetrados pelos seres vivos em cena tanto melhor, o que observamos é um curioso e apocalíptico fim da humanidade. Mas não sem antes assistirmos ao definhar, em apenas 28 dias, de uma civilização que levou séculos a criar. Isto porque quase no final do filme o que nos é dado ver é o homem na luta desregrada pela sobrevivência e destinado a satisfazer qualquer que seja o seu mais primário instinto sem o menor respeito pela moral quanto mais pela lei ou religião.
     
      No restante, é de destacar a magnificência das imagens de uma Londres deserta e confusa que transmite logo no início da película uma ideia muito forte e intensa sobre a dimensão da tragédia que se terá abatido sobre o mundo. Posteriormente o filme progride para um “road-movie” atípico dada a sua integração em filme de zombies. De todo o modo, num filme com as características visuais e abjectas deste há que referir que o medo a ser causado nunca o é pela amostragem do sangue e das vísceras apesar da abundância destes elementos ao longo do desenvolvimento da narrativa. O medo existe sim, mas acontece pela incerteza causada quanto ao momento em que maiores atrocidades serão cometidas. E esse é outro trunfo da realização de Danny Boyle a par da interessante e original dimensão escatológica da narrativa. Em suma, estamos na presença de um filme com muito para ver mas ainda mais para descobrir. Antes de qualquer refeição, de preferência.

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