terça-feira, 12 de outubro de 2010

8 MULHERES

     




     



O CINEMA FOI AO TEATRO
     
      Ainda não é de há muito a exibição entre nós de «Sob a Areia», um filme de intenso dramatismo que significava uma valorosa incursão do cinema na intimidade psicológica de uma mulher que se recusava à aceitação da morte do seu companheiro, e eis que o realizador responsável por essa obra volta ao nosso seio através de outro filme seu em exibição nas salas de cinema portuguesas, «8 Mulheres». E não podia ser mais radical relativamente a «Sob a Areia» a nova abordagem cinematográfica do jovem realizador francês. «8 Mulheres é uma comédia que procura evidenciar-se artisticamente através de algumas premissas que se refugiam numa determinada ambiência de “glamour” e sofisticação. Tal como o humor que intenta. Mas, mais do que isso, o novo filme de Ozon procura situar-se no cinema dos anos cinquenta por meio da comédia clássica por onde maioritariamente vagueia, ou estendendo-se por universos próprios da comédia musical. Neste particular de vertente musical, o engraçado é que num filme de homenagens ao cinema, e porventura às mulheres em geral personalizadas nas actrizes que interpretam a película, onde o que impera é a paixão pelo clássico e pelo sofisticado, as músicas escolhidas tenham todas elas um cariz fortemente popular. Mas esta curiosidade talvez explique as verdadeiras intenções de Ozon na concepção deste seu filme: adaptar livremente uma peça de teatro para o cinema não escondendo nunca as origens teatrais do filme. E usar mesmo nessa transposição para o cinema de códigos muito mais ligados à arte dos palcos. Fazendo sempre questão de o evidenciar, acentue-se.
     
      Em termos do seu enredo, a narrativa socorre-se da intriga celebrizada nos policiais de Agatha Christie até pelo modo como as personagens, circunscritas a um só salão, se vão questionando e colocando em causa através das motivações mais ou menos evidentes que poderão ter levado uma das oito mulheres em cena a hipoteticamente assassinarem o único homem presente na trama. Um homem a quem nunca vimos o rosto dado que a sua presença ali é um mero artifício para juntar oito mulheres nas situações mais rocambolescas que se possam imaginar. Elas são as senhoras da casa – ascendentes e descendentes –, a criadagem e um elemento mais inesperado. Um elemento no feminino, sempre no feminino. E a partir das revelações dessas oito mulheres sucedem-se a exteriorização de rancores, a descoberta de infidelidades e outras confissões de segredos bem guardados até então.
     
      O que se pode dizer de superlativo deste filme é que ele consiste num curioso e interessante exercício de estilo do próprio Ozon. Todas as actrizes, sem excepção, estão bem nos seus papeis. Isto é, são seguras e competentes. Mas a verdade é que a segurança de Danielle Darrieux, a anciã do clã, a beleza insinuante de Emmanuelle Béart, elemento do pessoal auxiliar, a irreverência interpretativa de Isabelle Hupert, a solteirona histérica, a classe e sofisticação de Catherine Deneuve, a mulher do morto, ou a desenvoltura de Fanny Ardant, a irmã, amante e familiar indesejada, para só citar algumas das actrizes e personagens, não são inteiramente suficientes para tornar este filme algo mais que simpático e agradável no seu desenvolvimento geral. Isto é, para fazer deste um filme conseguido em toda a sua plenitude. Talvez porque nele se integrem alguns momentos de humor bem conseguido mas que padecem de uma sensação que se pressente por vezes como se de mera rotina descritiva se tratassem. Não está nunca em causa a capacidade de Ozon como cineasta, pois percebe-se o seu inegável talento. Mas o que se percebe igualmente, conclui-se, é que esta é uma aposta não totalmente conseguida em termos daquilo que eram as pretensões de Ozon através das apostas altas que fez nos cenários, nas actrizes e no próprio universo diminuto em que rodou a sua história. Ao cinema por vezes não bastam competência interpretativa, preciosidades decorativas e uma excelente optimização do espaço relativamente às características específicas do enredo. Junto com outros pormenores, que não interessará agora enumerar, o cinema necessita muitas vezes de algo que aqui não me parece que tenha existido o suficiente: rasgo narrativo e vigor emocional, já que a vertente intelectual da comédia é extremamente meritória. Em suma, um filme a descobrir pela generalidade dos espectadores mas certamente que, reconheça-se, incondicional para adeptos do género revivalista que encarna.

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