terça-feira, 12 de outubro de 2010

AMERICAN PSYCHO






CHASSEZ LE NATUREL, IL REVIENT AU GALOP
     
      A expressão francesa com que se inicia este comentário, adequa-se quase na perfeição ao substrato de «American Psycho». E não na sua perfeição porque se a expressão significará, grosso modo, que por mais que o indivíduo procure fugir à sua própria índole em breve será dominado por ela, neste filme o protagonista limita-se a ser fiel à sua própria natureza malévola, nunca intenta fugir-lhe. Vai inclusive mais longe, não se limita, por exemplo, a desejar a morte de alguém, mata mesmo esse alguém. Obviamente que estamos a falar de um processo de criação literária de alguém - Bret Easton Ellis - agora transportado para o cinema pela talvez inesperada figura feminina de Mary Harron, torna-se claro que o que se trata aqui é de um retrato satírico de um determinado extracto de uma sociedade truncada nos seus valores, percebemos depois que não se foi mais além que os psicóticos e paranóicos cenários vividos em estado de ilusão por Patrick Bateman, o protagonista.
     
      Nesta pretensa caricatura de um ‘yuppie’ representativo de uma classe em ascensão no mercado bolsista em Wall Street o valor predominante é o da inveja, a ambição torna-se ilimitada. Mas esta não é uma ambição vulgar, não assenta em querer ser simplesmente o melhor, obter um desempenho relevante. Inveja e ambição são aqui sinónimos de futilidade extrema, do supremo triunfo da aparência e da vaidade que se passeia numa despudorada ostentação. Patrick Bateman não permite veleidades, não facilita: tens um cartão de visita melhor que o meu?, morre sacana! Conseguiste um lugar de cujos créditos eu ambicionava?, inferno contigo! O teu cabeleireiro é melhor que o meu?, puta que te pariu, machadada a desconjuntar-te a carcaça!
     
      E enquanto Bateman se equipa a rigor na sua própria definição de carrasco, vai desprezando tudo o que abomina, exerce a humilhação sobre quem o incomoda: seja a prostituta de rua e olhar triste atingida por uma moto-serra voadora ou a ‘call girl’ de vestes ricas e literalmente rasgada em orgasmo de sangue, seja o sem-abrigo que não tolera e a quem concede a esmola de uma passagem para o lado de lá à velocidade das punhaladas que lhe desfere no estômago antes vazio. Entretanto definha de humor por não conseguir marcação no restaurante da moda em Nova Iorque, exulta no encharcado corpo pelo suor dos 400 (ou serão 600?) abdominais diários.
     
      O problema desta criação satírica, é que ela representa de forma inteligente a consumação de desejos (quase mórbidos) que muitas vezes podem passar-nos pela mente (sem exageros ofensivos, quem não sentiu já vontade de, no mínimo, esmurrar este ou aquele pateta que nos irrita?) ao mesmo tempo que critica de forma violenta uma geração de ‘yuppies’ da era Reagan.
     
      Reportando-me ao produto final que nos é apresentado em forma de filme, confesso alguma empatia própria por este tipo de criação narrativa. Apesar disso, considero o final do filme pouco conseguido e as opções relativamente à violência descrita na história original aqui demasiado contidas. Um dos fortíssimos trunfos da película reside na excelente interpretação de Christian Bale. Depois de se ter visto o filme, quando antes da sua criação se falou em tantos nomes para o papel, sabemos que Patrick Bateman é aquele que Bale protagoniza, não pode ser mais nenhum outro e este é o melhor elogio possível a uma interpretação individual. Já quanto aos realizadores, recordo-me do nome de David Cronenberg e lembro-me de «Crash». Talvez com o realizador canadiano, muito avesso a contenções em nome de uma certa compostura, outro galo cantasse, aquela pequenina sensação de vazio que no final do filme não pude deixar de sentir tivesse sido preenchida.

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