terça-feira, 12 de outubro de 2010

APOCALYPSE NOW - REDUX







O HORROR… O HORROR…
     
      Podemos hoje constatar, legitimados pelo passar indelével dos anos, que quando Francis Ford Coppola apresentou «Apocalipse Now» na edição de 1979 do Festival de Cannes – tendo na altura arrebatado a Palma de Ouro do certame em conjunto com o filme «O Tambor» - que, apesar do prémio atribuído, dificilmente se acreditaria que passadas mais de duas décadas o filme continuasse como um dos maiores testemunhos cinematográficos, senão o maior, daquilo que o conflito com o Vietname resultou para os EUA como trauma psicológico, político e histórico. Coppola, que dirigiu as filmagens na selva das Filipinas – numa acertada escolha estética como tão bem o demonstra a bela fotografia do filme – teve no entanto que lutar contra tufões, outros atrasos provocados pela guerrilha interna no país, um ataque cardíaco do seu protagonista e, talvez como resultado do acumular de tudo isso, contra graves problemas financeiros para acabar o seu projecto.
     
      Mas valeu a pena, dizemos nós. O filme é absolutamente espantoso na forma como cria atmosferas ligadas a uma espécie de histerismo psicológico dos militares americanos perante um espaço físico que não era o seu e estratégias militares inimigas possuidoras de métodos de guerra que estiveram sempre muito longe de compreender. Quando o Capitão Willard (Martin Sheen) sobe o rio em busca de cumprir uma missão com o objectivo de matar alguém que recusara o estatuto de herói por troca com um insano endeusamento, inicia-se perante nós um desfile de brutalidade e violência a par da exuberância comportamental de militares que buscavam, através da sua própria loucura, redenção para o seu martírio e degradação moral que os atrofiava como seres humanos. O epicentro desta irrespirável densidade emocional, dá-se no final da viagem fluvial, quando o Cap. Willard encontra o Coronel Kurtz (Marlon Brando). Rodeado por todos os lados pelo espectro da morte, Willard percebe então que o ódio que destila de Kurtz não é nem mais nem menos que o ódio que o alienado coronel sente por si mesmo.
     
      Num filme que goza de uma extraordinária banda sonora que ainda para mais faz ainda hoje todo o sentido, ganha especial destaque a surrealista cena de guerra em que helicópteros atacam uma aldeia vietnamita ao som de Wagner. Aliás, comanda este ataque uma das personagens mais fantásticas do filme e à qual o actor Robert Duvall atribuiu uma estrondosa e heróica dimensão, a do nostálgico surfista e temerário líder de guerra. E se em paralelo Martin Sheen se entregou ao filme de uma forma que resultou talvez no seu mais relevante contributo para o cinema, Marlon Brando voltou a demonstrar que o seu carisma era inigualável e que as câmaras se vergavam à sua personalidade e presença física. Apesar de, nesta versão aumentada do filme, o facto de Brando aparecer muito mais e se ter libertado de uma certa obscuridade que lhe dava um fascinante e enigmático carácter lhe ter retirado uma espécie de dimensão mítica que o primeiro filme lhe dava.
     
      «Apocalipse Now» foi baseado numa obra do escritor Joseph Conrad, mas a sua aura romanesca terá certamente muito mais que ver com o que se pressente da desordem emocional das tropas americanas que com a forma como decorre a narrativa. Este pormenor, é claro, pode até ser considerado como mais um dos inúmeros méritos de Coppola no filme. E esta versão aumentada detém sobre si algo de poético ligado ao novo título, já que a expressão “redux” significará em latim “o retorno de alguém”. Como se o filme pudesse ser alguém regressado agora de um combate há muito terminado mas por onde continuava desaparecido. Mas é exactamente poesia e humanidade que uma das cenas inéditas que foram acrescentadas a esta versão, empresta ao filme: trata-se da cena que tem a ver com os colonos franceses cujos antepassados vieram destinados à Indochina. E com o “flirt” de Willard com a viúva francesa. Nessa breve relação, o amor por entre as redes que afastam os insectos, o cansaço mental de ambos e a alucinação que o ópio permite, surgem envoltos numa espécie de fantasia poética. Uma cena que acaba por acentuar ainda mais um estatuto que o filme já conseguira muito antes: o de absoluta obra-prima do cinema.



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