terça-feira, 12 de outubro de 2010

BLOOD WORK - DÍVIDA DE SANGUE


     




A VIDA COM A MORTE SE PAGA
     
      Em cada uma das personagens representadas pelo veterano Clint Eastwood sobrevive um herói que se não reconhece como tal. E se no rosto já marcado pelos anos do actor se vislumbra uma endurecida e sedutora melancolia, nos seus gestos calmos, controlados, percebe-se uma saudável frescura que denota alegria de viver e amor pelo seu trabalho. Tudo isto está presente em «Blood Work», último filme do actor, realizador e produtor, a estrear entre nós. Em «Blood Work», que possui argumento de Brian Helgeland a partir do romance do mesmo nome do escritor Michael Connelly, assenta que nem uma luva a Clint Eastwood a conhecida expressão de velha raposa por via da sua relação com o cinema aqui representada no trabalho que realizou no filme. Vê-lo, ao filme, faz nascer em nós a convicção de que Eastwood brinca claramente com os diversos artifícios do cinema. Como se os seus filmes fossem criados a partir da premissa declarada que tudo neles não passa de um jogo ao mesmo tempo que, através do virtuosismo com que trabalha as diversas componentes da 7ª arte, lhes vai aduzindo pormenores que fazem com que as suas histórias se tornem de uma inatacável credibilidade e absoluta realidade.
     
      Repare-se, «Blood Work» não passa de um thriller convencional. De mais uma história de polícias – e de ex-polícias – a braços com uma série de crimes que apontam terem sido da autoria de um perigoso e peculiar – não serão todos assim? – serial-killer. Um criminoso em série conhecido, aliás, pela alcunha de “the code killer”. Mas desengane-se quem acredita que o jogo de Eastwood se resume aqui a um simples jogo de espelhos, de semelhanças com produtos fílmicos análogos. Não, no cinema de autor que este preconiza há sempre alguma coisa que surge do nada, do desconhecido. Mas, mais do que isso, o cinema referido trabalha de forma sublime o estado de espírito do espectador criando neste um clima tenso de ansiedade, de impaciência perante aquilo que espera lhe seja desvendado. E a esperada e típica articulação de facetas ligadas ao crime e ao castigo ganham por isso uma nova e mais rica dimensão. E é desse modo que também «Blood Work» ganha aquela que é uma batalha fulcral para o sucesso de um filme. Uma batalha cuja vitória se alcança através da empatia, do clima de afectividade que se consegue e é estabelecido com o espectador.
     
      E o filme, pouco a pouco, vai ganhando uma credibilidade que resulta do gosto pela contenção, pela sábia disposição das peças. Terry McCaleb (Clint Eastwood) é um agente do FBI que sofre um ataque de coração na perseguição de um suspeito de um violento crime ocorrido. Um crime na sucessão de outros em que vê o seu nome envolvido numa espécie de insolente desafio levado a cabo pelo criminoso. Dois anos mais tarde, já retirado do FBI e após ter sido sujeito a um transplante de coração, McCaleb recebe uma inesperada visita de uma bela mulher (Wanda De Jesús) cujas revelações o “obrigam” a ter que investigar um outro crime . Contra a vontade da sua cardiologista (Anjelica Huston) e com a prestimosa colaboração de um amigo e vizinho (Jeff Daniels). Como se observa, as características da personagem que corporiza permitem uma fácil adaptação ao homem que é hoje Eastwood. Por outro lado, a forma como McCaleb se vê forçado a regressar à senda dos crimes, atribui uma áurea de heróico misticismo à figura do ex-polícia já que este se vê envolvido num confronto directo desde o ponto de vista da moral do homem em obrigação para com a sociedade a que pertence. E o puzzle completa-se com a busca que inicia sem que jamais percebesse quem iria encontrar. Ele via mas não o percebia. E o alheamento de McCaleb constitui-se na surpreendente revelação que é oferecida como bónus para o espectador. Concluindo, «Blood Work» é um filme de polícias, detectives e assassinos delineado em linguagem cinematográfica tradicional, sim. Mas o que acima de tudo «Blood Work» é, é cinema de grande qualidade e competência. A ver e esperar por mais.

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