terça-feira, 12 de outubro de 2010

CABINE TELEFÓNICA




      UMA CABINE REDENTORA E UM CONFESSOR ASSASSINO
     
      Sim, Joel Schumacher é o mesmo realizador dessa pérola intitulada «Batman & Robin» (1997). Como o poderíamos esquecer, quando conseguiremos perdoar-lhe? Ainda assim, Schumacher, na sua odisseia criativa dirigindo filmes que procura não se fiquem apenas pela mais redutora dimensão do conceito de ‘blockbuster’, tem algumas obras de relevo no seu currículo. «O Cliente» (1994), «Tempo de Matar» (1996) e esse filme esplêndido que revelou Colin Farrell e que os portugueses não puderam ver em sala, «Tigerland» (2000), são títulos que provam que pode ser assim. Por outro lado, isso faz com que sejamos obrigados a reconhecer que o homem não é um simples tarefeiro. Quando muito, seria um tarefeiro de qualidade que amiúde se perde na extensão excessiva dos seus sonhos. Em «Cabine Telefónica», Joel Schumacher regressa à dimensão exacta dos seus limites e filma as culpas de um indivíduo do nosso tempo com tal intensidade e precisão geométrica que durante menos de hora e meia é o próprio espectador quem parece estar sob a mira de um perigoso ‘sniper’ e da sua arma de altíssima precisão.
     
      Stu Shepard (Colin Farrell) é um agente/relações públicas arrogante e sem escrúpulos que faz da especulação e da mentira trunfos e valores para a sua existência pouco menos que fútil. Apesar disso, Stu é um tipo sagaz, inteligente e metódico. Os cuidados que toma para a preservação e credibilização das suas mentiras, levam-no a evitar o telemóvel sempre que telefona para Pamela (Katie Holmes). Esta é apenas uma sua cliente mas Stu deseja fazer dela também amante. Para que a mulher, Kelly (Radha Mitchell), não possa identificar números suspeitos na factura do seu telemóvel é de uma cabine telefónica que invariavelmente lhe telefona. Após mais um desses telefonemas, o telefone da cabine toca e Stu atende. Do outro lado da linha é informado estar sob a mira de um rifle e que não pode em caso algum desligar o telefone. Sucede-se um sem número de situações, entre as quais uma morte, que acabam por levar à confissão pública dos seus erros. Ao seu redor encontram-se a mulher, a jovem que desejara para amante, as câmaras de televisão, os olhares curiosos dos transeuntes anónimos e a polícia. Entre os polícias está um detective sensato e perspicaz (Forest Whithaker) mas que acaba também ele por ser exposto às suas próprias debilidades.
     
      Voltando um pouco atrás, julgo ser interessante verificarmos como até o elenco seleccionado para o filme obedece a uma lógica de cinema a que vulgarmente designamos de comercial mas que tenta ganhar o respeito dos demais agentes, nomeadamente por parte do público e da crítica. Uma lógica que tem sido preconizada por Schumacher, acredito. Assim, para além do já citado «Tigerland», Colin Farrell ainda recentemente rivalizara a preceito com Al Pacino em «O Recruta» e foi uma das estrelas de serviço em «Minority Report», de Spielberg. Já Katie Holmes tem conseguido ultrapassar a síndroma de mero emblema de sexualidade para determinada faixa etária como o provam as suas participações em «Go» (1999) e «Wonder Boys» (2000). Por seu lado, a australiana Radha Mitchell é mais uma das actrizes com inegável talento saídas do autêntico viveiro de actores em que se tornou a série televisiva «Neighbours». Quanto a Forest Whithaker, há mais de duas décadas que o actor espalha a sua arte pelas salas de cinema, como são exemplos as suas participações nos filmes «Platoon» (1986) e «Ghost Dog: O Método do Samurai» (1999). E como se estes nomes não bastassem, sobre todos eles existe ainda a assustadora ameaça de um atirador meticuloso e sádico que procura na amoralidade dos outros a justificação para a sede de matar de que está acometido.
     
      Assim, numa só rua de Nova Iorque, numa reduzida cabine telefónica, nos delitos de personalidade de um cidadão que é o espelho das ambições de toda uma sociedade e na onda criminosa que varre os dias e preenche o primeiro telejornal da noite, Schumacher oferece-nos quase hora e meia de tensão absoluta. Paralelamente, o filme tem ainda o mérito de trabalhar (e nos confrontar com) algumas daquelas fraquezas de conduta aparentemente tão comuns no nosso quotidiano. Tecnicamente o filme é perfeito. As constantes mudanças de plano e o modo como a realização gere a movimentação das câmaras e utiliza os zooms tendem a criar uma ambiência de claustrofobia e ansiedade que se estende até à sala de cinema, até ao espectador. Verdadeiramente admirável este aspecto da realização.
     
      Embora as características enunciadas não sejam suficientes para fazerem deste um filme emblemático, até porque as limitadas ambições que se lhe pressentem restringem a sua dimensão cinematográfica, «Cabine Telefónica» mostra de forma sublime aquilo que deve ser o cinema de entretenimento dentro do género. Nela existem um clima de tensão, uma fonte clara de perturbação e bons actores – com destaque para Farrell, que não soçobra por um só segundo à força das câmaras constantemente sobre si durante os 80 minutos que dura a fita. A par disso, desenha-se um retrato cruel mas verosímil da sociedade contemporânea. Este retrato assenta num argumento hábil (assinado por Larry Cohen) e muito bem explorado nas vertentes mais técnicas (montagem e fotografia). Em suma, o mínimo que se pode afirmar é que estamos na presença de um filme que promete não desiludir os fãs do cinema de ‘suspense’ enriquecido pelo rigor com que explora algumas das fragilidades psicossociais de que é composto o ser humano.

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