terça-feira, 12 de outubro de 2010

CHICAGO


    




  O CINEMA TAMBÉM É ESPECTÁCULO
     
      Rob Marshall, que se estreia na realização em cinema precisamente com «Chicago», cometeu desde já a proeza mediática de ver o seu nome associado ao mais nomeado filme pela Academia de Hollywood para os Oscares de 2003. Embora longe de se concretizar num musical inovador ou sequer memorável, há que perceber no filme a importância de uma realização que em certos momentos chega a sobrepor-se à própria narrativa. Esta vai muito apropriadamente alternando entre os palcos e a realidade, o que acaba por justificar meritoriamente o facto das personagens romperem pelo filme de forma abrupta e reiterada a cantarem e a dançarem – e é bom lembrar que muitas vezes é uma má adequação deste pormenor que faz com que os menos identificados com a estrutura de um musical se sintam desde logo órfãos da imprescindível empatia com o que se passa na tela.
     
      Diga-se que a espaços o filme alcança ainda uma relevante espectacularidade por meio das coreografias pensadas para as diversas cenas, detalhe que até acaba por ser a sua faceta mais importante por motivo do excelente entretenimento que proporciona ao espectador. Inspirado num musical da Broadway, a história desenvolve-se na Chicago dos anos vinte, um período em que a música assumia um desmedida importância na vida da cidade, nomeadamente nas suas noites coloridas. Roxie Hart (Renée Zelwegger) é uma jovem com pretensões à fama no meio musical e Velma Kelley (Catherinne Zeta-Jones), então o nome mais sonante a pisar os palcos, é o exemplo de sucesso que pretende seguir. No entanto, as intrigas amorosas em que se embrenham as duas personagens até aí em pólos opostos da vida, acaba por as levar à prisão ambas acusadas de assassínio, onde se cruzam e entram em rota de colisão. Posteriormente, a narrativa privilegia os rumos que as duas tomam para sua defesa e, nesse âmbito, a importância do famoso advogado Billy Flinn (Richard Gere) e da carcereira Matron Morton (Queen Latifah) revela-se fundamental para o sucesso do objectivo comum. E também do filme, reconheça-se.
     
      Assim, a par dos momentos de dança e canto que na verdade foram a justificação maior para a edificação do filme, ou não fosse este um musical, a verdade é que são igualmente evidentes na sua estrutura argumental a intriga amorosa, o crime e a crítica ao sistema judicial de então. E isso não deve ser esquecido ou menosprezado. A nível interpretativo, confesso a minha surpresa perante as (boas) prestações de Renée Zelwegger, Catherinne Zeta-Jones (a actriz galesa apesar de ostentar uns gramas a mais) e um Richard Gere que até tem direito a um interessante número de sapateado, mas declaro com entusiasmo o meu agrado pela composição de um marido crente e apaixonado, apesar das adversidades que vive, levada à tela por um dos recorrentes actores secundários do cinema americano mas um dos mais importantes nomes da actualidade cinematográfica: John C. Reilly. Dizer que a sua nomeação para o Oscar de Melhor Actor Secundário é correctíssima, resulta óbvio e é um acto de mera justiça para este comentário. Por tudo isto, parece-me que «Chicago» alcança enquanto musical um estatuto de extrema dignidade conceptual, embora distante da obra-prima, e enquanto espectáculo de cinema (sim, porque o cinema também é espectáculo) garante a plena satisfação de muitos daqueles que o assistam esquecidos do sempre indesejado preconceito. Se o filme merece ou não as 13 nomeações para Oscar? Que nos importa isso?

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