terça-feira, 12 de outubro de 2010

DANCER IN THE DARK







      A GRANDEZA DRAMÁTICA DE UMA HISTÓRIA FILMADA E NARRADA DE FORMA SIMPLES
     
      Em entrevista concedida logo após o êxito do filme em Cannes, o realizador Lars von Trier referiu a tamanha dificuldade que constituiu para si levar Björk a terminar as filmagens. Estaria a ser demasiado penosa a relação entre ambos, assim como algo sofrida a corporização da personagem assumida por Björk. Não é difícil perceber porquê. O argumento reveste-se de uma tremenda violência emocional, agravada pelo facto da actriz - tal como no filme - ser mãe de um rapaz de 12 anos. Mas seria nas semelhanças entre a actriz principal e a personagem, que acabaria por residir o maior trunfo deste «Dancer In The Dark».
     
      Se em vez de Björk nos estivéssemos a referir a outro tipo de estrela cintilando nos céus de Hollywood, estaríamos a esta hora a designar este como um filme veículo para alguém. Mas a verdade é que, no final das contas, «Dancer In The Dark» não existe sem a actriz que protagoniza Selma, uma imigrante checa nos Estados Unidos de meados da década de 60. Para lá da sua representação, tudo o que sobra é o virtuosismo purista da técnica cinematográfica do realizador. Uma inquieta agitação da câmara procurando um realismo quase físico ou, em contraposição, câmaras fixas para captar intensos movimentos colectivos nas cenas de dança. A procura de uma certa inocência de filmagem adoptando zoom's desfocados e a fotografia apagada nas cenas "reais" conferindo à vida um cariz de alguma forma entristecido, contrastando com o colorido das cenas em que Selma se refugia no sonho - alegria, júbilo -, completam os truques técnicos a que o dinamarquês mais recorreu neste filme.
     
      O que mais fica no entanto deste filme é o sorriso inocente, positivista, quase rendido às agruras da vida de uma mãe solteira em profundas dificuldades com a vida. Mas esse rendido não significa entrega, significa luta. Para Selma a sua vida não existe, ela apenas vive pelo amor ao seu filho, em função deste e unicamente para este. Selma precisa de ganhar dinheiro mas os seus valores nada têm que ver com esse facto. Selma é roubada pelo amigo em quem confiou, mas nem depois da sua morte - e o que resultaria na possível salvação de si mesma - se sente capaz de quebrar uma promessa que lhe fez. Por amor ao filho, Selma não hesita em escolher o caminho do seu próprio sacrifício, mas, apesar desse terrível acto de coragem, Selma tem medo, é uma mulher fragilizada, débil, mas sempre determinada e onde o que mais lhe doerá será a privação a que se submete relativamente ao filho.
     
      Sendo um filme de sacrifício no feminino - uma constante em Lars von Trier -, o que se procura igualmente é a crítica política. Existem claras alusões ao comunismo (uma até bastante lamentável e óbvia quando o procurador, nas cenas de tribunal, alude a um certo "comunistóide"), numa clara intenção de bater num fundamentalismo americano que poderá existir mas que muitos – como aqui o realizador - continuam a querer exacerbar negativamente. Mas essa não é a verdadeira vocação do realizador e tudo isso resulta numa ingenuidade primária de fazer corar qualquer principiante nestas andanças. A única crítica que resulta verdadeiramente é a que se faz à pena de morte. Toda a vertente do filme, desde a condenação de Selma à morte culminando com a violentíssima execução, são claramente as mais conseguidas em termos de manipulação emocional do espectador. Mas que interessa sermos manipulados, se a causa dessa manipulação (refiro-me à desajustada condenação à morte no caso em julgamento) é aqui absolutamente justificada?
     
      Um aspecto altamente sedutor deste filme, tem que ver com a extraordinária voz de Björk, tão docemente selvagem. No entanto, esta película – pese embora as características nele indissociáveis do género - não poderia nunca ser considerado um musical na sua verdadeira acepção, dado que todos os outros “cantores" não possuem um mínimo de qualidades vocais para semelhante empreitada.
     
      Destaque no entanto para a cena em que Bill (David Morse), depois de baleado por Selma, irrompe pela casa numa das cenas musicais do filme. Selma pede-lhe perdão por o ter matado, por lhe ter feito mal, mas Bill responde-lhe, como feito mal se ele lhe fizera muito mais mal a ela. Como se Björk pedisse perdão a Lars Von Trier por lhe ter roubado o protagonismo do filme, e Lars Von Trier lhe respondesse, "mas como se fui eu que te obriguei a isso?"...

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