terça-feira, 12 de outubro de 2010

DIA DE TREINO

        

  




    DENZEL WASHINGTON PROFESSOR DE RISCO
     
      Quanto vale, na apreciação global de um filme, uma fantástica interpretação de um actor? E se essa interpretação, ainda que em registo ligeiramente inferior mas igualmente esplêndida, for ao quadrado? Mas não nos fiquemos por aqui. Se adicionarmos a isto um intenso ritmo da acção e o passar de largos momentos em que o espectador se sente magnetizado pelos desenvolvimentos na tela? Em que ficamos? Podemos, depois de constatados estes claros indícios de agradável entretenimento cinematográfico, espezinhar o filme apenas porque tem – e efectivamente tem, há que o reconhecer – um final de certa forma inverosímil, demasiado banal e, como se não bastasse (e aqui sim, é realmente uma pena!), uma resolução que não aproveita muita da complexidade individual e antagónica de dois homens que, de forma quase trágica, de repente se vêem em campos opostos do conceito de bem, da interpretação da lei e, forçosamente, diferentes opções de vida?
     
      Fixemo-nos vagamente na “story-line”: Ethan Hawke corporiza um jovem e inexperiente polícia recém-chegado à cidade grande trocando, também com essa mudança, a divisão de trânsito pelo sonho de investigador no departamento de narcóticos da polícia de Los Angeles. Ethan, no seu primeiro dia, irá ter como cicerone um não apenas experimentado polícia como um profissional que rejeita os ensinamentos académicos da profissão valorizando sobretudo a aprendizagem empírica, os conhecimentos obtidos nas ruas. Esse polícia rico em ratice é interpretado por Denzel Washington e que desde o primeiro momento em que ambos se encontram irá iniciar Hawke nas práticas mais heterodoxas e recheadas de vícios que se poderão imaginar num polícia. Práticas, até determinado momento, de duvidosa moralidade mas ainda dentro de uma muito ténue linha de separação entre legalidade/ilegalidade.
     
      Nesta fase do filme, a acção torna-se arrebatadora, a luta entre a tentativa de manipulação do polícia matreiro e a resistência a ela do polícia ingénuo revela-se interessante de seguir, a criminalidade e a ambiência dessa marginalidade nas ruas de Los Angeles é bem filmada. A decadência da narrativa com a mudança de expectativas que o filme evidencia dá-se quando Washington assume claramente a Hawke a sua marginalidade, a sua faceta de polícia corrupto. Percebe-se então que aquilo que poderiam ter sido os conselhos do polícia experiente ao polícia novato não passaram afinal de métodos premeditados de comprometimento com a ilegalidade para este último. A partir daqui, é notório, o filme afasta-se dos valores dramáticos porque até então se norteara.
     
      Mas o que se não perde nunca é a fabulosa interpretação de um Denzel Washington a um nível elevadíssimo. Washington assume de corpo e alma a força mal direccionada de um polícia maníaco, sem fronteiras e sem moral. Nunca Washington olhara de forma tão alucinada, nunca Washington fora tão manipulador na colocação da voz. A Ethan Hawke resta-lhe a tristeza de, logo numa das suas mais relevantes composições dramáticas, se lhe ter deparado um actor que se mostrou intransponível e o deixou na sombra.
     
      Por tudo isto, resta-me fazer uma justiça: dizer que quem bate fortemente neste filme não estará isento de razão, acreditar que a quem defende e enaltece «Dia de Treino» não lhe faltarão também razões para o fazer. Mas o que eu não posso deixar de fazer igualmente é reafirmar e realçar que em filmes que nos surgem na tela como este, existirão sempre motivos de júbilo e motivos de desencanto. A opção de valorizarmos mais uns desses motivos relativamente a outros é nossa, é individual. Provavelmente, a opção mais inteligente será a de valorizar os momentos bons já que este não é um filme intelectual e é até um filme de tiros e facalhão na caneleira da bota. Mas esta afirmação é um paradoxo, dirão vocês. Mas não é porque significará um presunçoso acto de coragem, direi eu. Mas, é também verdade, vou ficar-me por isso mesmo embora enjeitando essa tal da presunção de coragem, de fazer diferente só para ser diferente. É que, gaita, que se lixe se o filme acabou mal, se o Fuqua (realizador) descarrilou a metros da estação. A globalidade do filme merece nota positiva pelos bons momentos que proporciona. E, caramba, ‘bora lá ver tiros, tripas de fora, carros em desvairadas corridas pelas ruas de LA, negros cantadores e de hi-fi às costas e metralhadora no bolso de trás das calças. Polícias maus como as cobras, miúdas de dezasseis anos com ares de trinta a fumarem erva como quem fuma Português Suave. Português Suave... light.

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