terça-feira, 12 de outubro de 2010

DISPONÍVEL PARA AMAR

       

    




  O CINEMA FEITO POESIA
     
      Hong Kong, 1962. Dois casais jovens mudam-se no mesmo dia e à mesma hora para dois quartos alugados no mesmo edifício, no mesmo andar, apartamentos contíguos, porta com porta. Ele é jornalista, ela é esposa e secretária. O marido dela trabalha no Japão e passa muito tempo fora, a mulher dele chega muitas vezes tarde, ele e ela descobrem que afinal os seus dois cônjuges são amantes.
     
      Esta é, sucintamente, a base para a narrativa que se desenvolve a partir daqui. Um filme carregado de extremo erotismo sem que por uma única vez esse facto tivesse sido sugerido por qualquer tipo de manifestação física. Um filme que decorre lentamente, extremadamente lento, por vezes. Uma história marcada ao ritmo da forte sonoridade de um instrumento de orquestra, intercalada pela voz romântica e melodiosa de Nat King Cole. Nas cenas de rua chove permanentemente, nas cenas de casa o ritmo é o dos vários vestidos moldados pelo belíssimo corpo da protagonista passeando-se entre o quarto e a cozinha ou saindo para comprar arroz. E também aí enfeitando delicadamente as ruas com a sua elegância. Como se disse, do céu cai uma chuva insistente que obriga ao refúgio em locais isolados nas noites desertas. Um filme que se vai repetindo como se de um poema se tratasse, como se uma cena aguardasse a rima de outra.
     
      Acabam por se apaixonar, ensaiam actos de rompimento dela com o marido. Jamais cederão no entanto ao que o corpo lhes pede, como se pedissem desculpa por se desejarem, como se o amor deles fosse de impossível consumação. A estória decorre em Hong Kong ao ritmo de Nat King Cole mas relembra por vezes o bairro de La Boca, em Buenos Aires, ouvindo Carlos Gardel.
     
      Feito de avanços e recuos sem nunca chegar afinal a lado nenhum, resignado e grave, este é um filme puríssimo, de grande frugalidade de cenários e gentes (jamais vemos os rostos dos dois cônjuges adúlteros, por exemplo), respeitando a cultura chinesa de inícios da década de sessenta, é igualmente uma película que decorre debaixo de um delicioso tédio...quem tiver a coragem de ser seduzido por tal não tema, vá ver. É um belíssimo filme.

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