quarta-feira, 13 de outubro de 2010

DOMINGO SANGRENTO

       

      REVIVER 30 DE JANEIRO DE 1972 EM LONDONDERRY
     
      Realizado pelo britânico Paul Greengrass, «Domingo Sangrento» procura homenagear as vítimas inocentes de um dos mais vergonhosos incidentes do conflito que opõe os nacionalistas da Irlanda do Norte ao governo de Londres. Mais do que isso, Greengrass busca relembrar o funesto dia 30 de Janeiro de 1972 justamente no ano em que, porque a tristeza também se celebra, se celebram 30 anos passados sobre a ocorrência. Nesse cruel domingo,13 inocentes cidadãos que participavam numa manifestação pacífica na cidade de Londonderry em defesa dos direitos civis – o ajuntamento popular fora organizado pela Associação dos Direitos Civis – tombaram às mãos das tropas da rainha. Nenhum dos mortos tinha armas em sua posse, 7 deles não haviam ainda atingido os 20 anos de idade.
     
      Sendo um filme de intenso cariz dramático, o realizador optou pela filmagem do argumento em registo documental. O argumento, esse, foi baseado no livro de Don Mullan. Este facto, que necessariamente acarreta em si mesmo algo de ficcional até porque são recriados alguns diálogos entre as tropas inglesas que não foram testemunhados nem documentados na pesquisa que originou o livro e – posteriormente – o filme, pode causar alguma surpresa no espectador mais desprevenido. Isto porque o estilo formal em tom documental de «Bloody Sunday» objectiva-se unicamente na procura de um inusitado realismo. E esse objectivo Greengrass consegue com muita perfeição técnica. Quer nos “travelling” que são feitos de câmara ao ombro dando o efeito de reportagem sobre o acontecimento, seja na forma como o realizador gere os “close up” ou, ainda, culminando esse espantoso efeito realístico com base nos atributos de competência técnica através de halos desfocados como se a imagem conseguida fosse a possível no momento.
     
      Em termos de opções do argumento, o filme inicia-se de forma muito adequada mostrando a fase anterior da preparação da manifestação com todos os avanços e recuos que uma organização destas implica, não esquecendo as várias partes beligerantes desde o IRA às forças policiais. É igualmente mostrada, através de um jovem nacionalista, a faceta humana do conflito. Depois dá-se a fase aguda ligada à tragédia ocorrida e, de uma forma que resulta na perfeição, somos confrontados com a fase posterior ligada à reacção humana: a dor da amargura e a revolta. A única falha desta realização de Greengrass tem que ver com o esquecimento ou ignorância que existiu, da sua parte, daquilo que é o funcionamento de uma força militar e do modo como resulta emocionalmente, e individualmente, nos militares a obrigatoriedade do acatamento de ordens. Porque também eles são humanos e, quer se queira quer não, muitas vezes vítimas do terrorismo. E como acrescento negativo a alguma escusadíssima intenção manipulatória do realizador, não ficou bem claro que se a coroa inglesa tem culpas neste cartório também o IRA as possui. E se bem que Greengrass não tenha passado ao lado dessas culpas do IRA, também é verdade que as absolveu em demasia. E isto não querendo eu julgar as causas mas criticar necessariamente os meios usados que elas têm justificado.
     
      Em suma, «Domingo Sangrento» é um filme que, apesar do seu registo formal, é um grande momento de cinema e que foi um justo vencedor (embora partilhando-o com outra obra) do Urso de Ouro do Festival de Berlim. Nunca alguém terá filmado com tão extrema realeza o caos, a confusão, a desorientação de quem procurava fugir às inexplicáveis balas que a política e a incompreensão humana ainda hoje vão motivando por tanto lado. Balas que visam em grande medida, lamenta-se com tristeza, cidadãos inocentes. Seja porque estavam no sítio errado à hora errada, ou porque, muito simplesmente, apenas queriam fazer ouvir a sua voz. Como o foi, afinal, o caso dos que pereceram naquele dia 30 de Janeiro de 1972, em Londonderry, Irlanda do Norte.

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