quarta-feira, 13 de outubro de 2010

EMBRIAGADO DE AMOR




   

      COMÉDIAS ROMÂNTICAS – AS FUNDAÇÕES PARA UMA NOVA ERA
     
      Imaginem um tipo assombrosamente parecido com Adam Sandler, invariavelmente vestido de fato azul, dono de uma pequena empresa de artigos para banho e que, de quando em vez, é acometido de incontroláveis ataques de fúria que o levam a destruir (literalmente) tudo o que o rodeia. Imaginem agora esse mesmo fulano a comprar dúzias de caixas contendo embalagens de pudim de chocolate, simplesmente porque estas estão em promoção e oferecem milhas aéreas (1,5 km cada milha, ao câmbio por que nos regemos). Imaginem ainda que esse tipo tem 7 (sete) irmãs controladoras e opressivas o que leva a perceber o quanto terá tido uma infância reprimida e caótica. Para além disso, o diabo do rapaz não só se dá ao descaramento de telefonar para linhas eróticas como é suficientemente ingénuo para fornecer o número do cartão de crédito sem qualquer garantia de segurança. Por tudo isto, torna-se claro que as coordenadas aqui sugeridas inviabilizam qualquer ideia para um filme minimamente sério ou – que absurdo! – uma comédia romântica de qualidade. Pois é, desenganem-se todos os que assim pensarem. É com muita desta massa que se fez «Punch Drunk Love», a nova obra de Paul Thomas Anderson no seu título original. E, agarrem-se bem às cadeiras os mais incrédulos, é o actor famoso por algumas das mais inacreditáveis comédias de sempre, Adam Sandler , quem corporiza Barry Egan, o protagonista do filme.
     
      Desconcertante, é o mínimo que se pode dizer deste filme. Se alguém duvidava que as comédias românticas pudessem revestir-se de algo mais que um género intelectualmente menor, banalizado e destinado a fornecer unicamente alguns momentos de relaxamento e lazer a românticos incuráveis ou a cinéfilos em busca da bonança, P. T. Anderson prova-nos que não é bem assim. Não só reinventa as coordenadas do género, preservando no entanto as obrigatórias fragrâncias românticas e o lado mais lúdico associado aos filmes, como constrói uma assombrosa película onde tudo nela se revela de absoluta originalidade. A começar pelas suas personagens, principais e secundárias, todas elas a requererem um redobrado olhar sobre a sua compleição psicossocial. Curioso é perceber-se igualmente que a filmografia em construção do jovem realizador obedece a uma arquitectura em coerência com o já anteriormente edificado e que foi consagrado entre nós com pompa e circunstância. Assim, podemos observar em «Embriagado de Amor» as referências ao universo pornográfico que deu vida a «Jogos de Prazer» (1997) e as crises existencialistas emergentes de um dramático e convulsivo percurso familiar ligadas às personagens tal como ocorria em «Magnólia» (1999).
     
      Nesta realização que eu reputo de revolucionária, incluem-se as situações mais improváveis e de desfecho absolutamente imprevisível. Não só em termos de enredo como em questões técnicas ligadas à própria narrativa, a começar desde logo pelo ineditismo do seu começo. Por outro lado, permitiu a “descoberta” de um actor de nome Adam Sandler cujo rosto e olhar inexpressivos chegam a simbolizar o cinema de P. T. Anderson, pelo menos no que à sua recusa em pactuar com o óbvio diz respeito. Outra das interpretações que elevam o filme a um grandioso estatuto, e que não é mais que uma confirmação de inequívoco talento, é a de Phillip Seymour Hoffman. É até extraordinária a forma como Hoffman surge ligado a filmes tidos como de irrepreensível qualidade no meio cinéfilo mas cujo mediatismo para além dessas fronteiras restritas e conhecedoras é diminuto. Como exemplo, distinga-se o caso de «Felicidade», de Todd Solondz.
     
      Para finalizar, refira-se apenas que o filme nos envolve inteiramente na sua profundidade temática. Ela, a profundidade temática, que passa muito por demonstrar a força do amor, ainda que um amor ligado às situações mais absurdas e ao carácter excêntrico de quem o sente. E nesse aspecto a narrativa é de tal modo tremenda e a mistura agridoce tão intensa que logo nos embriaga e vicia. Outro dos grandes méritos do filme, quanto a mim, tem que ver com a modernidade e o estímulo intelectual para o espectador que o caracterizam. Porque estes estão continuamente ligados à invulgar história que suporta a narrativa. Porque mais que ter ideias e as obstinadamente revelar, há que as colocar em prática de modo altruísta para com o cinema. E só depois, então sim, receber os méritos pelo trabalho executado caso a apreciação pelo filme os justifiquem. Assim sendo, agindo em conformidade com o exposto, bravo P. T. Anderson. É grande este «Embriagado de Amor».

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