domingo, 31 de outubro de 2010

Herói improvável



[Harry Dean Stanton em «Paris, Texas»]






Em «Paris, Texas», de Wim Wenders, um homem, perdido na vida, andrajoso, percorre o deserto árido e abrasador como se de um zombie se tratasse. No limite da sua resistência, acaba levado para o hospital e recebe o apoio do irmão Walt que já antes dera guarida ao seu filho Hunter. Recuperado, parte com Hunter em busca da mulher que os abandonara e vai encontrá-la num peep-show de Houston. Travis tem uma longa conversa com Jane (bela Nastassja Kinski), esta acaba por aceitar ficar com o filho. E Travis parte de novo rumo a nenhures, rumo aos desertos de areia interminável e tórrida, rumo a um voluntário isolamento. Ao som dos lancinantes acordes de guitarras saídos da partitura do mítico Ry Cooder, dou comigo a invejar aquele homem, aquele cow-boy solitário sem gado para cuidar, sem índios, sem diligências, vivendo apenas uma alucinação árida num mundo cuja civilização se perde na visão indistinta dos intermináveis cursos de alcatrão e dos motéis à beira de estrada. Aquele homem, Travis, um impressionante Harry Dean Stanton, teve a coragem de escolher a sua vida afastando-se dos infindáveis enredos que o homem criou para defender a sua própria cobardia mas na qual acabou embrulhado. E não, não se pense que Travis abandonou a vida em busca da morte. Ela, a morte, se quisesse que o viesse buscar. Travis é um herói que a nossa pequenez tão viçosamente alinhavada determinará como um fracassado.








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