quarta-feira, 13 de outubro de 2010

INMSONIA


     




A OBSCURIDADE DAS NOITES CLARAS NO ALASCA
     
      Insónia... O que é? Em que consiste? O que representa? Diz-nos o dicionário que por insónia – do latim “insomnia” – se compreende a falta de sono de alguém, dificuldade em dormir, vigília, insonolência, estado de quem não pode dormir. Christopher Nolan, realizador deste filme e já com um mega sucesso anterior no bornal («Memento», 2000), agarra-se à derradeira definição encaminhada para este texto e divaga sobre o que pode levar a tal: a existência de uma consciência inquieta, exausta, consumida pela culpa. Em «Insónia», existe um tempo sem tempo para o escuro que não se abate sobre os dias à força das noites claras do Alasca. E um dramático confronto entre dois homens de mente brilhante: um ser maléfico mas intelectualmente poderoso cujo olhar sorri enquanto da sua boca brota uma chantagem psicológica em verbalização capaz de levar qualquer um ao desespero, e um polícia experimentado mas atormentado pela escuridão que o invade interiormente e lhe tolda o raciocínio. Estes são, pois, os elementos perpetradores de um intenso duelo de enganos e simulações.
     
      Em confronto com a aparência de gelada pureza do Alasca, contrariando a cor verde de esperança dos seus frondosos bosques, uma jovem mulher foi brutalmente assassinada e o seu corpo displicentemente depositado numa lixeira. Ao território chegam dois elementos da polícia de investigação de homicídios com a missão de descobrirem o assassino: o famoso Detective Will Dormer (Al Pacino) e o seu colega Hap Eckart (Martin Donovan). No decorrer da investigação é montado um cerco ao assassino. Mas ao largo da cabana de montanha ladeada por rochedos existe uma opacidade nebulosa que dificulta a visão. Esse facto acabará por ser determinante para a forma como as coisas descambam. E é a partir do testemunho dos actos ocorridos que se iniciará então o jogo psicológico para que é duramente arrastado um Detective Dormer fragilizado e incapaz de raciocinar com clareza.
     
      Diga-se desde já que este é um filme que recupera ao melhor estilo um dos géneros fílmicos que ao longo da história do cinema mais adeptos conseguiu cativar para a causa cinematográfica. Mais do que isso, falar aqui em cinema de puro entretenimento é elogiar sem reservas a realização de Christopher Nolan. Porque ela é despojada de egoísmos artísticos ou concepcionais, porque é uma realização que se dá ao cinema que pretendeu criar . Cinema esse que sem reservas dedica ao espectador. E sendo um “thriller” policial até nesse particular o filme é anti-convencional e, por esse motivo, fascinante. Aqui não há a incerteza quanto ao criminoso pois sobre a sua identidade existe uma evidência que nos é desde logo facultada. A única verdade que se procura é a verdade interior, é a oposição da claridade exterior com a escuridão interior, é a abordagem das personagens irremediavelmente afectadas pelas características dos lugares. E é, novamente para Nolan, um filme de argumento. Mas também de actores de grande envergadura. E se no adequado olhar mortiço de Al Pacino, nas suas passadas hesitantes e no rareio gestual de um perturbado sonambulismo se perscruta um Pacino de outros lugares, de outros ambientes fílmicos, é porque este conjuga aqui o que de melhor e mais carismático tem a sua personalidade de actor. Com uma diferença: a interiorização do desespero, facto raramente visto anteriormente. Mas, desta vez, Pacino teve alguém que rivalizou em mérito com a sua postura. Teve um Robin Williams de admirável minimalismo dramático a quem se deve a áurea de doentia atitude mas brilhante teorização do mal objectivada nos factos do filme. E o ritmo sóbrio e pausado da narrativa vibra e agiganta-se com as interpretações destes dois colossos do cinema mundial.
     
      Em suma, celebre-se aqui mais um renascimento daquele cinema feito de naturalidade autoral onde os méritos que se buscam residem unicamente no genuíno fascínio que obtém do espectador. Especificando, este é um filme que se gosta (ou se não gosta) por simplesmente se gostar e não porque gostar dele (ou não gostar) significa uma pretensa mais valia para a personalidade quem tal o assume. E a retirar dessa colagem (ou alheamento) ao rumo por que no filme se opta. Para além deste pormenor, é bom ver que ainda se fazem (grandes) filmes assim. Eles são a prova inequívoca que o cinema como simples entretenimento, e dentro do seu mais clássico conceito, pode e deve ser analisado numa perspectiva de enorme decência intelectual.

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