domingo, 31 de outubro de 2010

A inveja




[Ernest Miller Hemingway, 1899 - 1961]




Inveja de Hemingway





Julgo que é algo aceite universalmente: os escritores, os grandes escritores, homens ou mulheres, são pessoas especiais, tocadas por um sentimento exaltado, impetuoso, sentimento que têm necessidade de passar aos outros, de o (d)escrever como se de um impulsivo desabafo se tratasse. Muitos desses escritores são, foram, gente invulgar, gente atropelada no seu percurso pela fome de viver, de amar, gente que sem o perceber corre(u) desesperadamente para a angústia. E, em derradeiro fôlego, em alguns casos na maior prova que há de amor pela vida, acabaram por a abandonar voluntariamente. Não é raro eu sentir inveja dessa gente. Dessa gente de essência excessiva, de busca incessante pela felicidade sem jamais a lograrem alcançar.



Hoje, confesso, sinto inveja do que foi Hemingway.



Ernest Miller Hemingway, nascido no campo, filho de médico. Escreveu obras fundamentais como «O Sol Também se Levanta» (1926), «Por Quem os Sinos Dobram»(1940) e, entre outros, «O Velho e o Mar» (1952). Pelos seus escritos condecoraram-no com o Prémio Pulitzer, primeiro, e com o Nobel da Literatura, depois. Hemingway deixou que os seus olhos se humedecessem com o brilho das cores do mundo. Viveu em Itália, em Paris, em Espanha… E na paradisíaca Cuba durante muitos anos. Combateu guerras que não eram suas (Guerra Civil de Espanha), apaixonou-se por uma cultura que não era a sua (a festa brava, os toiros, Pamplona) e deixou que esses mundos por que passou em frenesim fizessem a sua escrita. Com quatro casamentos realizados, em número ainda maior que essas quatro paixões o escritor teve por várias vezes a maior dádiva que um homem alguma vez pode desejar: o amor de uma mulher.



Foi conhecida a sua instabilidade emocional ou, por outras palavras, a inquietude de uma mente sequiosa, de uma alma que a cada momento se agigantava. Fisicamente doente, a 2 de Julho de 1961 mostrou toda a coragem com que levou a vida ao virar para si uma arma de fogo e, disparando-a, enfrentar a morte. Entre nós, a eternizar o homem, o escritor, ficaram os relatos da sua vida e, fundamentalmente, a sua obra escrita.



Não, neste caso não se trata de um sentimento menor. Mas é verdade, sinto inveja do que foi Ernest Hemingway.





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