quarta-feira, 13 de outubro de 2010

IRIS




      A TRÁGICA IRONIA FINAL DE UMA EXISTÊNCIA BRILHANTE
     
      Torna-se tarefa emocionalmente árdua constatarmos o quão irónico pode tornar-se o decurso de determinadas vidas. «Iris», filme intensamente dramático e comovente com realização do inglês Richard Eyre, cuja obra está muito mais ligada à televisão que propriamente ao cinema, prova-nos isso mesmo. Prova-nos que a dimensão única da vida obtida através de admiráveis recursos mentais pode, lamentavelmente, desembocar num beco sem possibilidade de retorno onde impera a solidão. Onde nada mais subsiste que a profunda escuridão daqueles para quem a palavra existência se reflecte quase unicamente num inconsciente deambular físico. Ou, pelo menos, a medicina não conseguiu ainda perscrutar uma outra explicação para os doentes de Alzheimer para além daquela que nos é dada pelo senso comum: a de que onde antes tudo era permitido, tudo era possível e nos dava um sentido da vida, nada mais ficou que um aterrador vazio. Aterrador para aqueles que de fora observam, porque, para os outros, para os que sofrem da doença, fica uma espécie de morte em vida pois sequer lhes é permitido o sofrimento trazido pela consciência própria do seu drama. E, em último estágio, e bem entendido, sofrem da doença, não sofrem com a doença.
     
      O filme situa-se em duas fases distintas da vida da romancista e filósofa inglesa (nascida em Dublin, 1919), Iris Murdoch. Assente nas memórias escritas pelo seu marido – o professor universitário, autor e crítico literário John Bayley – somos confrontados com uma Iris Murdoch jovial, rebelde e brilhante vivendo uma intensa paixão pela vida, e, em paralelismo de imagens, com a escritora e pensadora famosa – 26 obras literárias editadas – então já a enfrentar o drama da doença de Alzheimer, primeiramente, até à degradação que a enfermidade lhe acarreta, culminando com a sua morte, em Fevereiro de 1999.
     
      Deve em primeiro lugar saudar-se a extrema honestidade dos autores do argumento para o filme (John Bayley, viúvo de Iris, e Dreyer, realizador, incluídos) ao não deixarem de incluir no filme pormenores sobre a vida de Iris Murdoch capazes de levarem à incompreensão alheia. Efectivamente, e como nem sempre se verifica, não houve tentativa de branqueamento de questões mais polémicas como hipoteticamente poderiam tornar-se factos como a bissexualidade da escritora ou mesmo alguma promiscuidade no seu comportamento sexual. Por outro lado, e noutra latitude de profundidade racional, o filme relança as dificuldades de uma definição do verdadeiro sentido do amor. Ou, em derradeira análise, remete-nos para a forte possibilidade de inexplicabilidade do mesmo. Porque razão uma mulher que fazia da liberdade de pensamento e arrojo de comportamento o seu lema de vida, se apaixonaria por um homem que parecia representar todo o oposto disso mesmo? E esse homem, porque passaria ele por tantas e tão grandes provações e, mesmo quando era ele mesmo que no fim dela lhe valia, ainda se roía e atormentava com ciúmes do passado? Mas, é importante que se ressalve, eram ciúmes resultantes desse mesmo amor e não daqueles ciúmes que sabemos nascidos do simples amor-próprio.
     
      Uma palavra para o elenco deste filme onde o difícil é conseguirmos manter-nos alheados do drama que se vive. Quer Kate Winslet (personalizando Iris quando jovem), quer Judi Dench (Iris no crepúsculo da sua vida) e mesmo Hugh Bonneville (John Bayley jovem) estão a um elevado nível de interpretação com destaque, ainda assim, para Kate Winslet que consegue uma das suas melhores interpretações de sempre. Mas, que dizer de Jim Broadbent (John Bayley já idoso)? No mínimo, uma excelente corporização que permitiu espelhar uma extremada afectuosidade. E retratar alguém em sofrimento e vivendo uma espécie de confusa inquietação, mas alguém que conseguia amar outra pessoa muito mais que provavelmente alguma vez terá amado a si mesmo. E talvez encontremos neste aspecto particular, ligado à interpretação de Jim Broadbent da personagem de John Bayley, as fundações para que construamos então uma definição para o verdadeiro amor.

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