terça-feira, 12 de outubro de 2010

A LENDA DE BAGGER VANCE

    

     




RECUPERAR A VIDA ATRAVÉS DO GOLFE
     
      Filmes há em que escalpelizá-los racionalmente se revela uma tarefa muito mais do que dispensável intimamente rejeitável. Relembro ainda a sala escurecida quando, anunciando o términos do filme, surgiu o genérico final na tela. O posterior acender das luzes, as pessoas a abandonarem a sala, e eu continuando com o olhar preso no écran gigante. «A Lenda de Bagger Vance», é uma experiência do domínio dos sentidos, é um desprendimento emocional que se apodera de nós e é desencadeado pelo discorrer de uma história mística, de uma metáfora sobre a vida, ou sobre como renascer para a vida. E sim, se há coisas que não se aprendem necessitam unicamente ser relembradas, também existem reacções que não se explicam surgem simplesmente da emoção sentida.
     
      O filme fala de Rannulph Junuh, o homem que um dia fizera sonhar a muito sulista e carismática Savannah. Apanhamos a sua história em plena depressão económica e enquanto veterano da 1ª Grande Guerra Mundial. Junuh é então um náufrago da vida, um homem psicologicamente perturbado esbracejando noites dentro em muito álcool e tentando manter-se à tona agarrado a um baralho de cartas. Numa espécie de fuga para a frente e antes quebrar que torcer, o seu antigo amor (uma belíssima Charlize Theron), procura salvar o sonho de uma vida - de uma vida que prossegue agora na sua depois do desaparecimento de seu pai - reerguer um enorme empreendimento turístico/desportivo ligado ao golfe, organizando um grande torneio. E é então que, ajudado por um místico “caddy” negro, por um pequeno jovem que o idolatra e sentindo renascer em si a sua antiga paixão, que Junuh intenta recuperar o seu golfe. Mas, muito mais que recuperar o seu jogo, o golfista prepara-se para se recuperar para a vida. E é disso, e da capacidade de se voltar a acreditar em si mesmo afastando fantasmas do passado mas não perdendo a arte da contenção, que nos fala este «A Lenda de Bagger Vance». Isto através de uma fotografia belíssima, de uma áurea intensa de nostalgia, de uma sensação forte de melancolia que se vai apoderando de nós.
     
      «A Lenda de Bagger Vance» é um filme que de certa forma recupera o cinema mais clássico e que revela ainda as características mais salientes na filmografia do realizador Robert Redford. É um filme onde não existe a pretensão da intelectualidade, onde o original ou o erudito não têm lugar por opção. É um filme de uma encantadora simplicidade, que procura sobretudo mostrar o lado mais puro e importante de coisas que a exacerbada competitividade por vezes tende a esquecer.
     
      [Enquanto relembrava tudo o que atrás descrevi e que resultou da minha emoção logo após o visionamento do filme, esqueci-me que o argumento é, aqui e ali, um pouco pobre; que apesar de passado em plena recessão económica e numa altura onde existiam ainda clivagens entre negros e brancos no sul dos Estados Unidos, o filme não questiona e nem se questiona; que para um sofrido e mergulhado no álcool veterano de guerra, o actor Matt Damon possui um perfil físico demasiado angelical. Esqueci-me e nem vou querer relembrá-lo, este filme pelo que proporciona em termos da satisfação do espectador, merece que não demos importância ao que noutros casos seria relevante mas que aqui perde qualquer significado.]
     
      Nota Suplementar: «Pinóquio» é, para mim, uma referência incontornável nos filmes de animação. Não apenas pela extremada função didáctica que atinge nos mais pequeninos, como pela brilhante criatividade que fez de si um belíssimo filme que conta uma espantosa história. Vimos há pouco, em «A . I.: Inteligência Artificial», um pequeno robô que queria ser amado como se de um menino de verdade se tratasse. Tal como o menino de pau, Pinóquio, que se transformou, pela sua capacidade de amar, num menino de verdade. Em «A Lenda de Bagger Vance», existe um “caddy” místico (Bagger Vance, o próprio), uma personagem meio celestial que acompanha o golfista Junuh na sua recuperação para a vida. Quando este a atinge, Vance dá o seu trabalho por terminado e volta com um sorriso para o vazio desconhecido de onde chegou. É que, muito mais que um anjo da guarda, esta personagem lembra-me uma outra: a figurinha simpática que era a Consciência de Pinóquio e que sempre o acompanhava. Até que a sua missão ficou cumprida.

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