quarta-feira, 13 de outubro de 2010

MATRIX RELOADED

       

      O ESTRANHO MAS ELEGANTE MUNDO DOS IRMÃOS WACHOWSKI
     
      (The Matrix…)
     
      Depois de em 1999 os irmãos Andy e Larry Wachowski terem conquistado o mundo com «The Matrix», abriram-se-lhes as portas para a consecução daquilo que era o seu desejo de sempre: realizar a trilogia de uma história que nos faz progredir até finais do séc. XXII numa altura em que as máquinas, intelectualmente superiores, guindaram os humanos até um mundo de ficção (ou seja, virtual) gerido por um programa de computador justamente designado por Matrix. Zion era a última cidade onde se alojava a resistência humana e Morpheus (Laurence Fishburne), juntamente com Trinity (Carrie-Anne Moss), eram o rosto dessa resistência que descobriu no “hacker” Neo (Keanu Reeves) o Messias capaz de levar à libertação da espécie humana então sob o jugo das máquinas. É bom recordar que antes de «The Matrix», os Wachowski haviam apenas realizado, em 1996, o filme «Bound» (muito bom filme, por sinal) e que o contrato assinado, à cautela, previa apenas a produção de «The Matrix». Talvez por isso mesmo, e se bem que muito injustamente, esta obra tenha sido referenciada sobretudo pela inovação e qualidade dos seus efeitos especiais. Mas o filme dividia-se perante o espectador entre a inusitada elegância do que este via e a profundidade filosófica daquilo que apreendia. E sem que alguma vez se perdesse a dimensão de unicidade da narrativa. Esta terminava como se ousasse deixar no ar uma questão de teor eminentemente existencialista. Instado por si mesmo a encontrar uma resposta para essa questão, na sua inocência o espectador procurava encontrá-la reavivando fragmentos de memória daquilo a que acabara de assistir.
     
      (…Reloaded)
     
      Logo à partida este «The Matrix Reloaded» é um pouco hesitante enquanto objecto integrante de uma sequela. O seu início, difícil até de seguir – há que o reconhecer, procura fazer um preâmbulo para o Universo Matrix. Desde logo é lançada uma quantidade infinda de questões bíblicas e filosóficas ligadas à própria universalidade e existência que arriscam deixar algo assustado o espectador mais desprevenido porque este fica convencido que lhe será difícil entrar no filme. Um temor inconsequente, diga-se, já que posteriormente se verificará não ser bem assim. Falando objectivamente, e no que diz respeito a alterações de figurino, demos dois exemplos significativos: Neo (novamente protagonizado por Reeves) assume agora a sua condição de Messias em toda a sua plenitude; o Agente Smith (Hugo Weaving), opositor dos humanos e que havia sido derrotado por Neo no primeiro filme, ressurge nesta sequência com uma superior capacidade: a de se reproduzir em clone. Para que serve dar estes dois exemplos? Unicamente para demonstrar como a vertente conceptual a cargo dos Wachowski sofreu uma mutação de teor eminentemente simplista. Isto porque as referências cinematográficas se tornaram evidentes – Neo tornou-se num vulgar super-herói dotado de super-poderes, e também porque a interface metafórica que tem o mundo da informática como pano de fundo para as questões filosóficas se tornaram claras de mais – veja-se como o Agente Smith se expande como se se tratasse de um qualquer vírus de computador.
     
      Disto tudo se depreende a minha convicção do passo atrás que foi dado em «The Matrix Reloaded» relativamente ao seu antecessor. A identificação com a temática em questão tornou-se vaga e difusa e a empatia com as personagens difícil de estabelecer. No entanto, isso não significa que ao filme não possam ser atribuídas virtudes importantes que asseguram a sua relevância no panorama actual do cinema. Desde logo porque, queiramo-lo ou não, os Wachowski criaram uma nova fórmula de fazer cinema – que aqui persiste – e experimentaram reinventar alguns novos códigos para o género em causa, o da ficção-científica. E nesse aspecto pode dizer-se que interpretaram com acuidade um mundo em constante mudança. Um mundo cada vez mais embrenhado numa virtualidade sem limites que desde há algum tempo as novas gerações vêm experimentando. Nomeadamente nesse novo universo do ciberespaço designado de Internet. Em paralelo, mesmo que muitas das teorias avançadas pelo filme possam ser consideradas “non sense”, ou até falsas, negar a filosofia de «Matrix» é negar o direito ao pensamento e, em última análise, negar a própria evolução. Por outro lado, em «The Matrix Reloaded» existem vertentes estéticas e conceptuais íntimas de uma tão notável elegância que é impossível a elas ficarmos indiferentes. Insiram-se, neste âmbito, as coreografias de luta (embora muitas delas criadas em claro piscar de olhos aos jogos de computador), a perseguição na auto-estrada – com o Keymaker (Randall Duk Kim) como alvo a seguir, os dois novos vilões – os Gémeos (Neil e Adrien Rayment), e a presença fugaz mas bem vibrante de Mónica Bellucci (ela é Porsephonne).
     
      Em suma, embora continuando a constituir-se como uma boa proposta de cinema, «The Matrix Reloaded» é um filme que acaba por se revelar vítima do sucesso do seu antecessor. As razões para isso são várias e uma delas tem que ver com a exploração em demasia dos fenómenos internos que fizeram de «The Matrix» um enormíssimo caso de popularidade em todo o mundo. Finalmente, uma questão que parece assolar algumas mentes: poder-se-á considerar, com este filme, que se estão a dar os primeiros e decisivos passos para aquilo que será o cinema de futuro? Não o podemos saber. Já o dizia Iogi Berra, “a previsão é muito difícil, sobretudo quando é acerca do futuro.”

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