quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VERÃO ESCALDANTE




NOVA IORQUE A FERRO E FOGO
     
      Gostaria de começar esta crónica sublinhando uma ironia: Spike Lee, o realizador negro de MALCOM X, aproveita uma situação verídica de um "serial killer" autor de variados assassinatos no verão de 1977, em Nova Iorque, para construir uma incómoda e impressionante narrativa paralela que vai desde a esquizofrenia paranoide de um grupo, às complicadas relações familiares de membros integrantes de uma comunidade ítaloamericana do Bronx e inteiramente branca. Curioso!
     
      Apesar da forma competente e arguta como Lee dispôs as peças do seu "puzzle" criativo, a verdade é que alguma insistência em elementos marginais como o maricas lá do bairro, a jovem prostituta (Jennifer Esposito), o passador, o drogado e até mesmo Richie (Adrian Brody) o músico "punk" que se exibe e vende num clube homossexual e se revela uma das personagens nucleares da história, quase nos sugerem uma colagem, que efectivamente não existe, ao conturbado universo do realizador espanhol Pedro Almodóvar. É no entanto na relação do casal Vinny (John Leguizamo) e Dionna (Mira Sorvino) que Spike Lee assina o seu melhor registo neste filme. Brilhante a forma como desmascara uma espécie de garanhão do quarteirão que deixa os seus méritos à porta de casa. A cena orgíaca com a participação dos dois e com o que desencadeia é, simplesmente, fabulosa. Uma excelente observação da natureza humana. A caça às bruxas promovida pelo grupo dominante é igualmente uma opção feliz do argumento, na justa medida em que prova o quanto nos é difícil aceitar a diferença do outro e de como a ignorância pode desencadear actos de perfeita cretinice.
     
      Em termos técnicos e formais há a destacar a recriação perfeita da ambiência de um bairro típico Nova-iorquino de finais da década de setenta, com recurso a uma excelente e adequada banda sonora. De realçar, igualmente, a solução encontrada para o genérico final. Como último comentário, a conclusão óbvia que a América retratada neste filme, embrenhada numa espécie de encruzilhada labiríntica, não é e nem poderá nunca ser a América prometida do sonho e da liberdade.

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