quinta-feira, 14 de outubro de 2010

XX/XY




 QUANDO A VULNERABILIDADE E IMATURIDADE ANDAM DE MÃOS DADAS
     
      Ainda antes do filme: é um facto que as expectativas criadas em redor do actor Mark Ruffalo após a sua participação em «Podes Contar Comigo» não se confirmaram totalmente na sua filmografia posterior. Quer em «O Último Castelo», de Robert Redford, ou em «Windtalkers», de John Who, aquele que fora já designado como o novo Marlon Brando estaria demasiado discreto nas suas prestações para que sobre si se confirmasse esse antecipado e auspicioso futuro artístico. Mas entre as duas obras citadas, Ruffalo rodaria um título integrante daquele que parece ser o seu habitat natural, o cinema independente. E em «XX/XY» Mark Ruffalo parece regressado aos retratos de adulto jovem e vulnerável que lhe permitiram a conquista de um espaço próprio no exigente cosmos do cinema mundial.
     
      Sobre o filme: ao tomar contacto com o título escolhido para a película, a reacção do espectador será de inevitável estranheza. Efectivamente, ninguém espera que o cidadão comum seja obrigado a saber que a sigla XX/XY se refere à combinação cromossomática que determina o sexo dos mamíferos e, sejamos honestos, mesmo que o soubesse isso pouco o ajudaria no esclarecimento daquilo que pode ser o filme. No entanto, embora com um título algo bizarro, esta é uma intensa incursão sobre o relacionamento entre os homens e as mulheres a partir do frenesim sexual e imaturidade de, principalmente, uma das suas personagens.
     
      Estreia absoluta de Austin Chick em cinema, que assina argumento e realização, em «XX/XY» materializa-se um drama contido mas sensível e maduro sobre como os relacionamentos da adolescência nos podem continuar a afectar no futuro. Diga-se a propósito da maturidade da análise que é feita, onde apenas se levantam questões e se evitam respostas, que o facto de Austin Chick ter menos de 30 anos e estar na sua primeira experiência cinematográfica parece ter irritado sobremaneira a crítica americana. É que, lá como cá, as ousadias teimam em pagar-se caras.
     
      A narrativa encontra-se como se dividida em duas partes. Na primeira delas, Coles (Mark Ruffalo) conhece Sam (Maya Stange) numa festa e a atracção é mútua. Contrariamente ao expectável, Sam propõe a Coles um ‘menage a trois’ com a sua amiga Thea (Kathleen Robertson). Comprovando que por vezes os devaneios da imaginação têm mais força que a realidade, a coisa não corre bem e esse pormenor irá marcar a relação de Coles com Sam. Na segunda parte, a indefinição das personagens e o carácter sombrio das relações e da própria fotografia, que se verificara na parte inicial, dão lugar a uma maior luminosidade e a um acerto de expectativas quanto ao rumo da narrativa e suas personagens. Coles é então um publicitário prestigiado, Thea tem um casamento estável com um empresário da restauração e Sam encontra-se acabada de chegar de Inglaterra onde rompera com o noivo. Inevitavelmente dá-se o reencontro dos três, em Manhattan, e sobre as suas cabeças pairam os fantasmas do relacionamento que mantiveram no passado.
     
      O começo algo titubeante da fita revela um pouco das dificuldades de uma produção independente como a que se verifica ter existido. Apesar disso, o filme agiganta-se consoante o seu desenrolar para terminar de um modo extremamente satisfatório. As motivações auto-destrutivas das personagens acabam por se alterar e a abordagem solidifica-se na intenção de contar uma história de vida em que os intervenientes são pessoas comuns. Dentro destas características, é fundamental a prestação de Mark Ruffalo que constrói um irrepreensível retrato de um tipo egoísta e imaturo para quem é mais fácil cometer adultério que ser honesto com a mulher com quem vive. Para além disso, e aqui reconhece-se o inconfundível cunho do actor, Coles é um tipo que transforma a sua própria vulnerabilidade num indestrutível poder de sedução. Destaque final para a banda-sonora recheada de temas franceses ou não fosse Austin Chick um admirador do cinema de Claire Denis.

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