domingo, 31 de outubro de 2010

Nocturno lisboeta

[Estação do Oriente, foto de José Boldt]




Há dias, depois de um jantar que se prolongou por mais algumas bebidas num bar, quando regressei a casa eram já cerca de três horas da manhã. Sentado ao volante do meu carro, percorri as ruas desertas de Lisboa. Artérias de uma cidade mergulhada no vazio a hora tardia onde apenas sobressaíam as luzes no escuro da noite. A luminosidade de uma montra aqui e ali ou do néon preso no alto dos edifícios, chamou-me a atenção. Lembro-me de, repentinamente, colar os olhos no retrovisor e ver um casal ainda muito jovem a correr no passeio até se perder do meu olhar curioso no virar de uma esquina.



A grande metrópole, viva durante o dia, alegre, graciosa, sobrevivia então solitária, sem alma, profanada no seu silêncio sepulcral apenas pelo roncar esporádico de um motor, pelo débil tossir de um qualquer toxicodependente de morada erigida por debaixo de um alpendre, de um viaduto, de uma existência amargurada e miserável.



Conduzi lentamente o carro, passei por debaixo do viaduto de Entrecampos e dirigi-me na direcção de casa, no sentido da 2ª circular. Já em pleno Campo Grande, parei nos semáforos na confluência com a Avenida do Brasil e observei um homem e uma mulher cujo desentendimento era notório dada a sonoridade violenta com que se travavam de razões. De repente, ela agrediu-o com a mão esquerda na face dele, que, estupefacto, se quedou imobilizado vendo-a fugir-lhe até se refugiar no nevoeiro. Algo me deu a sensação que se trataria de marido e mulher. O hábito enfraquece o amor, pensei.



O semáforo acendera-se no verde, distraído deixei que voltasse novamente ao vermelho. Esperei resignado que acendesse de novo o verde até voltar a fazer o carro deslizar na avenida. Junto à escola de enfermagem, já perto da 2ª circular, um outro casal que procurava ocultar-se junto ao grande portão do instituto, parecia sentir dificuldades para ter relações ali mesmo, em pé, encostados a um canto do enorme muro do edifício. As muitas roupas a que os 5 ou 6 graus da noite lisboeta obrigavam não são suficientes para enfraquecer as sensações, concluí.



Na 2ª circular o trânsito fluía ao ritmo de um punhado de carros em cada direcção, o nevoeiro era mais espesso. A noite tem um não sei quê de misteriosa, apeteceu-me continuar a andar de rua em rua até se acabar o combustível do carro.









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