sexta-feira, 15 de outubro de 2010

PIRATAS DAS CARAÍBAS - A MALDIÇÃO DO PÉROLA NEGRA




JOHNNY DEPP, O HISTRIÓNICO
     
      Jerry Bruckheimer, o famoso produtor norte-americano ligado a projectos tão mediáticos quanto «Pearl Harbor» (2001) ou «Black Hawk Down» (também de 2001), surge ligado a este filme – que pretende homenagear uma diversão dos parques da Disney – exactamente como resultado da prova de confiança que lhe foi dada pelos seus executivos. E a verdade é que, para o bem e para o mal, a chancela de Bruckheimer é desde logo a mais destacável faceta desta super-produção. Assim sendo, o filme tem no seu elenco estrelas famosas e consolidadas (Johnny Depp, Geoffrey Rush…), um gracioso casal romântico (Orlando Bloom e Keira Knightley) e, já que é de um filme de piratas que se trata, tesouros escondidos, espectaculares abordagens em alto-mar e trepidantes duelos de espada e do que mais vier à mão. Depois, o argumento – escrito pelos autores do fabuloso filme de animação «Shrek» – contempla ainda o elemento maldição e uma boa dose de sobrenatural. Ou seja, e para resumirmos, nada foi esquecido para garantir o sucesso do filme junto do público. Mas algo parece mesmo ter ficado na gaveta das memórias: as ideias. Não há em «Piratas das Caraíbas: A Maldi…» uma única ideia nova, algo que lograsse minimamente recuperar ou sequer refrescar um género esquecido mas que já foi dos mais amados do cinema: o já referido filme de piratas.
     
      Debrucemo-nos um pouco sobre o enredo: o Capitão Jack Sparrow (Depp) é um desavergonhado pirata a quem ainda sobram alguns bons instintos mas falta um navio já que o seu Pérola Negra lhe fora roubado por um muito menos escrupuloso e ainda mais maligno Capitão Barbossa (Rush). Elizabeth Swann (Kneigthley), a filha do governador de uma colónia britânica das Caraíbas, é uma bela jovem que conserva consigo um medalhão que os piratas de Barbossa perseguem obstinadamente e, nesse intuito, atacam a cidade de Port Royal. Elizabeth é raptada e o Capitão Jack Sparrow recebe a aliança de Will Turner (Orlando Bloom), um amigo de infância e actual apaixonado da jovem. Um, Sparrow, quer recuperar o seu barco, o outro, Turner, pretende salvar a sua amada. Claro que o bem intencionado Will está longe de saber que os piratas se encontram vitimados por uma maldição e que ele, um simples aprendiz de ferreiro de Port Royal, é peça fundamental para quebrar tal esconjuro. Debaixo dessa maldição, os piratas ganharam vida eterna mas transformam-se em esqueletos andantes durante a noite.
     
      Sejamos pragmáticos: é valorosa a ligação existente entre o filme clássico de aventuras e as coordenadas basilares das fitas de piratas. Para a credibilização de uma história enquanto retrato coerente de uma época específica do passado foi consultado um reputado historiador, Peter Twist, e tanto os usos e costumes como algumas vertentes mais científicas ligadas à navegação e à prática militar obedecem àquilo que se sabe sobre o século XVIII, a época em que se sucede a acção. Por outro lado, alguma sumptuosidade e extravagância que são apanágio das produções de Bruckheimer tendem a seduzir as massas de espectadores. Mais, o argumento contém todos aqueles componentes que qualquer cinéfilo amante do género incluiria em resposta a um hipotético questionário feito a esse propósito. Apesar disso, ou talvez por isso, é como se a lógica que imperou para a sua feitura obedecesse à mera aglutinação de elementos criativos resultantes de monótonas verdades universais. Em acréscimo, tornou-se evidente a incapacidade de Gore Verbinski em transmitir arrojo emocional à sua realização. Porque, repita-se, tudo nela é consensual. Desse modo, não houve lugar para a inovação nem ganho de aptidão para conseguir causar alguma surpresa ao espectador. E porque afinal é de uma fórmula conhecida que falamos, é a sensação de previsibilidade aquilo com que mais deparamos.
     
      Em termos interpretativos, é a Johnny Depp que se podem atribuir as maiores culpas pela perda de seriedade que caracteriza «Piratas das Caraíbas». O seu histrionismo exagerado e maneirismos inconsequentes fazem deste um produto muito mais juvenil que aquilo que seria desejável. Paradoxalmente, é o actor quem consegue ainda assim atribuir alguma comicidade à película. Isto, embora o preço a pagar por tal se afigure demasiado caro: falta classe a Depp neste filme. E bastaria ver o actor em «A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça» (1999) para perceber que este é muito capaz de se apresentar no corpo de uma personagem como anti-herói sem jamais perder a compostura. Mas aí tinha, como teve em «Eduardo Mãos de Tesoura» (1990), o genial Tim Burton a dirigi-lo. Resta-nos pois apreciar o inatacável talento de um actor como Geoffrey Rush e, na falta dele – do talento quero dizer, a beleza aristocrática de Keira Knightley.
     
      Em resumo, estamos na presença de um ligeiro e correcto objecto de entretenimento que nos agarra pelo olhar mas não nos prende pela emoção. Um filme que está longe, muito longe, de conseguir recuperar um género outrora muito querido pelo cinema e deixa em nós uma clara sensação de frustração. No final, assola-nos ainda a mente uma imagem ligada à diversão da Disney que esta produção quis homenagear (e que tem o mesmo nome: Piratas das Caraíbas): é como se lá estivéssemos e contemplássemos a sua beleza mas não ousássemos experimentar viver as suas emoções.

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