sexta-feira, 15 de outubro de 2010

POR UM FIO

    



  STRESS E MORTE NAS RUAS DE MANHATTAN
     
      Frank Pierce (Nicolas Cage) rasga o nocturno urbano de uma Nova Iorque povoada de tragédia humana, marginal e problemática. Pierce olha de frente a morte mas, num colossal erro, envolve-se e sofre. Conduz uma desenfreada ambulância e disserta sobre a miséria dos indigentes, a loucura dos "gangs" e reflecte sentimentos de quem tenta salvar príncipes da sarjeta. Tudo através de um par de olhos negros de insónia e de uma hipersensibilidade herdada de muito "stress". Os mortos falam-lhe directamente. Quer seja a jovem que deixara morrer no frio passeio ou o velho que lhe rogava que cantasse uma canção de embalar para um sono eterno. Também Pierce acabaria adormecido no regaço da filha deste quando, finalmente, se despiu da culpa. As sirenes não cessaram de gritar à noite cada nova fatídica viagem.
     
      Martin Scorsese realizou este filme polvilhado de uma realidade assustadora, mostrada pelo olhar de um paramédico em dois dias e três noites de trabalho. Uma história que tem como epicentro Manhattan, as suas ruas à noite e um sobrelotado e caótico hospital. Moveu a câmara com frenesim procurando retratar o dia-a-dia das urgências médicas, escureceu ou iluminou a fotografia na justa medida do estado das ideias e da mente do seu protagonista e relator. Como pano de fundo deu-nos música para retratar a Nova Iorque de início da década de noventa, mas também para proporcionar aquele ambiente ambiguamente mágico e de intrigante estranheza da noite na cidade.
     
      Cage volta a ter uma interpretação de grande nível mostrando-se um actor de corpo inteiro. Patrícia Arquette (Mary, a do regaço onde Pierce finalmente adormece) credibiliza um retrato de mulher insegura e dignamente débil. Um filme que, não sendo uma obra-prima, acaba por ostentar sem receios a assinatura de Scorsese (e do seu estilo) em mais uma crónica do quotidiano dramático da cidade.
     
      Um último destaque para o argumento que prova algo que se vinha sentindo como tendência e característica de modernidade. A mistura entre acontecimentos de verosímil realidade com o fantástico e o oculto. È assim em «Por Um Fio» e foi-o igualmente nos recentes e belíssimos «O Sexto Sentido» e «À Espera De Um Milagre».

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