terça-feira, 12 de outubro de 2010

À PROCURA DE NEMO








O RESGATE DO PEIXE NEMO
     
      «À Procura de Nemo» é já o filme de animação mais lucrativo de sempre. E percebe-se bem porquê. No fundo dos mares, no centro de um esplendoroso festival de cores em que ganha especial relevância o jogo de iluminação experimentado pela Pixar – responsável pela película, um pai passa por uma das mais dramáticas experiências dessa sua condição: perde o pequeno filho no meio de uma disputa com este. A partir de então, Marlin – o pai, irá percorrer os mares em busca de reaver Nemo – o filho. E o filme que Andrew Stanton e Lee Unkrich realizaram ganha então emoção, aprofunda o dramatismo com que desde logo se iniciara e na vertigem de tão prodigiosa aventura que é vivida por Marlin alcança momentos de humor repletos de candura e carinho – uma graciosa criatura que sofre de perda instantânea de memória, Dóri, vai ser fulcral para o alcançar desta importante dimensão de diversão. Pelo meio agiganta-se o amor – de um pai pelo filho e deste pelo pai, mas também a culpa. Marlin precisa demonstrar que confia em Nemo e Nemo não pode deixar de confessar ao seu pai que o ama já que a última palavra que lhe dirigira tinha sido executada na expressão de um terrível mas magoado sentimento: “odeio-te”. Ou seja, para além do tão procurado reencontro físico urge efectuar-se a reaproximação emocional. E não é por percebermos que Marlin e Nemo são dois pequenos peixinhos, e que nos encontramos num universo composto de criaturas marinhas, que a extensão do drama se encurta. Antes pelo contrário, talvez, porque desse modo o simbolismo constante da narrativa se torna mais evidente.
     
      «Finding Nemo», no seu título original, é a 5ª longa-metragem da Pixar. As anteriores foram «Toy Story», «Toy Story 2», «Uma Vida de Insecto» e «Monstros e Companhia». E a verdade é que tem sido um percurso feito de sucesso atrás de sucesso o percorrido pela Pixar. Isto, apesar de pessoalmente não achar que este seja o melhor filme de animação dos últimos anos. Se a questão se colocasse escolheria, em dimensões distintas, «Shrek» e «A Viagem de Chihiro». Um pela sua fabulosa vertente humorística e satírica, o outro pelo sedutor misticismo filosófico que tão bem encarna. Mas isso não importa agora e, pelo contrário, talvez seja pertinente procurar perceber onde reside o segredo para o sucesso da receita que tão brilhantemente a Pixar tem feito chegar até nós em forma de filme animado para crianças mas que não tem enjeitado conquistar um público mais adulto. É como se os técnicos e criativos da Pixar procurassem “agarrar” os mais pequenos pelo coração e os graúdos pela razão. Afinal o que vemos, ainda que fantasticamente concebido, não passa de um mundo composto de bonecos animados. O grande trunfo, no entanto, é que esses tais bonecos vivem as vidas dos humanos com toda a complexidade psicológica que uma boa história do nosso quotidiano pode acarretar. E como se observa em «À Procura de Nemo», a vida é-nos exposta desde o facto mais banal (a estreia do apartamento novo, o primeiro dia de aulas da criança, a terapia em grupo – assombrosa a ideia de um grupo de Comedores de Peixe Anónimos formado por tubarões,…) até ao mais complexo pensamento vivencial (a perda da mãe, o difícil relacionamento de um pai que marcado pela perda se torna super protector de um filho ávido de conhecimento, os traumas de seres com uma existência marcada pela constante busca de sobrevivência…).
     
      Assim, assente numa estética vanguardista que representa mais um passo na constante evolução técnica experimentada pelos estúdios situados em Emeryville, na Califórnia, decorre uma história de dedicação e amor entre dois seres, dois peixinhos, que poderiam muito bem ser dois seres, sim, mas humanos. Um desses peixinhos percorre os mares desafiando os seus perigos, o outro engendra uma forma de fuga enquanto recluso de aquário num consultório de dentista com vista para o porto de Sidney, na Austrália. E pese embora todo o aparato técnico que se adivinha mas que se torna invisível para quem assista ao filme, pode dizer-se que esta é uma película de concepção minimalista. E para isso muito contribui a partitura musical a cargo de Thomas Newman, um compositor com um impressionante currículo onde se podem encontrar títulos como «Beleza Americana», «Road to Perdition» ou «Os Condenados de Shawshank». Um outro e incontornável destaque tem que ser canalizado para as importantes interpretações (vocais) de Albert Brooks (Marlin) e Ellen DeGeneres (Dóri). A primeira pelo latente apelo a um dramatismo sufocante que parece soltar-se do seu timbre de voz e a segunda porque se revela essencial para a divertida essência da personagem que defende (vocalmente). E se dúvidas existirem sobre a lucidez dos criativos da Pixar, sempre a puxarem para uma filosofia existencial inerente ao ser humano, nada como nos fixarmos no gracioso (que esconde algo de muito dramático) e inteligente plano final: trata-se do momento em que os peixes que habitavam, com Nemo, o aquário do dentista parecem ter conseguido a fuga mas, algures à tona das águas do mar no porto de Sidney, continuam presos dentro de sacos de plástico. Obrigatório.

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