terça-feira, 12 de outubro de 2010

A RESIDÊNCIA ESPANHOLA





 BARCELONA TEM MAIS ENCANTO NA HORA DA DESPEDIDA
     
      Em «L’Auberge Espagnol», no seu título original, debate-se muito mais que os trajectos de uma juventude multilíngue à procura de uma unanimidade cultural europeia. Realizado por Cédric Klapish, que também escreveu o argumento, de forma mais ou menos involuntária já que a preocupação nuclear da trama é mesmo encaminhada para a questão europeia, o filme aborda de modo valoroso questões ligadas ao trajecto de vida dos jovens independentemente da sua nacionalidade. E isso numa observação leve e em registo de comédia. Refira-se também que o título original – fiel a esse estatuto de comédia – é à primeira leitura muito mais esclarecedor sobre aquilo que, aparentemente, pode objectivamente esperar o espectador ao assisti-lo que o título em português alguma vez consegue ser. Isto é, um apartamento feito pensão barata onde reina o alarido e a desordem. Tal qual albergues famosos em Espanha noutros tempos e dos quais a literatura nos tem deixado impressionantes relatos. O título português, «A Residência Espanhola», ignorou essa alusão.
     
      Tudo começa em Xavier (Romand Duris), um estudante de economia francês que ruma a Espanha, e à cidade capital da Catalunha, Barcelona, para aprender espanhol e conseguir um lugar profissional numa estrutura administrativa europeia. Acaba, ele e mais meia dúzia de outros jovens universitários de outros tantos países europeus, todos eles ao abrigo do conhecido programa Erasmus, a residir durante um ano no mesmo apartamento. Dividem entre si tarefas, espaço físico e, claro, a renda da casa. Neste autêntico duelo de sobrevivências, é de todo importante verificar que ao fim de algum tempo a diversidade linguística parece unir mais que desunir. E esse facto relança-nos para uma velha questão que para muitos é pacífica: a de constatarmos que por muito diverso que seja o percurso empírico individual soçobraremos irremediavelmente à nossa verdade espiritual, isto é, à verdadeira essência com que cada um de nós é composto. E isso torna-se tão mais evidente na história que o filme nos conta quanto mais se dá a aproximação dos diversos jovens entre si. Pelo modo como vivem ansiedades, amores – desamores também – e aprofundam a sua sexualidade descobrindo que também neste aspecto existem diferenças. Torna-se pois imperativo dizer que «A Residência Espanhola» é uma comédia com jovens estudantes sim, mas, meus caros, é um filme maduro, é uma comédia séria.
     
      Diga-se ainda que a singularidade de uma região como a Catalunha funciona aqui como elemento catalisador da crítica que o filme obstinadamente procura exercer sobre a construção europeia, ou, mais precisamente, sobre essa utopia chamada de nacionalismo europeu. Repare-se, para aferição deste aspecto em particular, a referência que é feita à utilização da língua catalã nas universidades de Barcelona e da região da Catalunha. Para acentuação de diferenças em vários aspectos da realidade europeia, percebe-se a importância que teve o trabalho de “casting” na concepção do filme. Porque cada um daqueles jovens simbolizam, inclusive fisicamente, o seu país de origem. Perfeitamente dispensável – reportando-me ainda aos aspectos conceptuais – teria sido a opção técnica, em determinado momento, de sobreposição de imagens com o intuito de alcançar uma ideia de acompanhamento em directo de pormenores distintos para um só culminar da tensão dramática. Isto porque nesse ponto pode residir o momento de clivagem entre o espectador, até aí em simbiose com o que vê, e o cinema, que desse modo se assume em momento desadequado como tal. Mas, mesmo que aduzindo ao acabado de referir o final absolutamente quimérico encontrado para o filme, através das fragrâncias vivenciais de um grupo de jovens em determinada conjuntura europeia, a película adquire uma relevância cinematográfica a não descurar. Isso, a par da realização de Klapish segura e obstinada no objectivo que perseguia , permite ao espectador momentos muito agradáveis numa sala de cinema.

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