quinta-feira, 14 de outubro de 2010

THE RING - O AVISO

      
    


  E AO FIM DE SETE DIAS MORRERÁS
     
      Em 1998, Hideo Nakata espantava o Japão com um filme de terror de nome «Ringu». O pormenor de sucesso terá aberto as portas do mundo à fita e esta foi mesmo considerada o Melhor Filme, em 1999, no Festival de Sitges. Assim, e tal como vimos ocorrer muito recentemente com, por exemplo, «Abre los Ojos», de Alejandro Aménabar, que deu origem a uma versão americana de título «Vanilla Sky», coisa que terá acontecido igualmente com «Insomnia», de Christopher Nolan, idealizado a partir de um filme norueguês, Hollywood não perdeu a oportunidade de ter o seu próprio «Ringu». Desta forma, como cópia de um receita ganhadora o que desde logo prometia diminuir o risco do investimento, surgiu «The Ring», com realização de Gore Verbinski. O cineasta, que poderia muito bem ter capitulado ao peso da herança de «Ringu», acabou no entanto por edificar um filme que transporta sem dificuldade o espectador para uma atmosfera de medo e suspense. E o que faz com que este não desgrude os olhos da tela.
     
      Ainda assim, e é até bom que se refira o facto, quando a fita começa a desenrolar-se perante os nossos olhos logo se instalam em nós os maiores receios. Enquanto, por um lado, na tela duas jovens amigas lembram o namorado de uma delas e os factos aterradores vividos num fim-de-semana passado numa cabana de montanha, a nós, por outro lado, invadem-nos a memória imagens do caldo entornado porque julgamos estar na presença de um novo «Gritos». A diferença é que, desta feita, os gritos soam em forma de insistente toque telefónico. Mas nada mais errado, constatamos de imediato. Se algum sufoco o filme provoca, esse sentimento intenso e perturbador deve-se unicamente à fluída narrativa que combina inteligentemente a intriga comum com vertentes de estranheza sobrenatural.
     
      Tudo se inicia quando Rachel Keller (Naomi Watts), uma jornalista, decide investigar a ligação da chocante morte da sua sobrinha com um assustador rumor ligado a uma cassete assassina. Essa lenda urbana – que é afinal muito mais que uma lenda, muito mais que um simples rumor – refere a fatalidade em que caem todos os que visionarem a dita cassete: quem a veja, por mero acaso ou ousadia, morrerá inevitável e exactamente sete dias depois.
     
      Diga-se que o filme obedece com rigor às mais desejáveis coordenadas criativas para os filmes do género: sempre que possível apenas sugere e mostra somente em derradeira alternativa. E quando opta pela amostragem em detrimento da sugestão, a realização prova possuir um invulgar sentido de oportunidade. Aliás, o trabalho de direcção de Verbinski é de um modo geral competente e pode mesmo citar-se um momento raro em termos da excelência com que a espaços a história foi filmada: esse momento dá-se dentro de um ferry-boat em plena travessia, quando um cavalo se solta e cai ao mar. Contribuindo também para o bom resultado final, o elenco apresenta-se todo ele em plano satisfatório, havendo apesar disso um destaque a fazer: Naomi Watts. Com a sua interpretação, e também pelas evidentes parecenças físicas, a actriz que brilhou na última obra de David Lynch («Mulholland Drive») chega a lembrar outra grande actriz da actualidade cinematográfica, Nicole Kidman, no igualmente excelente filme de terror «Os Outros». Este um filme do já anteriormente referido Alejandro Aménabar.
     
      Com «O Aviso», Hollywood prova pois que é possível conciliar uma outra versão de um cinema eminentemente mais comercial com a qualidade conceptual assente em apropriada sobriedade. No entanto, os elevados meios de produção podem igualmente funcionar contra o desejável sentimento de inquietude a patentear em filmes do género. E nesta obra, onde uma alma atormentada abandona as trevas em aterradora viagem ao mundo dos vivos, resulta muito melhor a série B sugerida por «Ringu» e pelos escassos meios que permitiram que visse a luz do dia. E aqui residirá, talvez, a maior perda de «The Ring» para a obra que lhe deu origem. Mas, quem sabe, aliado ao fascínio pelo medo talvez tenha funcionado a favor da obra japonesa a atracção pela deslumbrante cultura oriental de que conscientemente o filme nunca pretendeu desligar-se.
     
      Para finalizar, uma justiça tem que ser feita: a de deixar bem claro que «O Aviso» é um muito aconselhável filme para quem gosta de histórias ligadas ao sobrenatural. E revela uma irresistível conexão do mundo dos mortos com o dos vivos através do peculiar conceito de psicologia da vingança que apresenta.

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