sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ROGER DODGER



      A ARTE DA SEDUÇÃO
     
      Mais uma vez o cinema independente norte-americano surpreende pela inteligência das suas propostas; neste caso também pelo brilhantismo de uma representação: a de Campbell Scott.
     
      Ganha cada vez mais força a ideia de que a falta de dinheiro faz bem ao cinema norte-americano. Na verdade, os meios reduzidos para uma aposta em grande nos efeitos especiais parecem provocar uma apetência maior pela cuidada construção de diálogos e aprofundamento das histórias. É o que acontece em «Roger Dodger», a estreia absoluta nas fitas do novato Dylan Kidd que não só realizou o filme como é ainda o autor de um argumento brilhante onde o protagonismo é dado à palavra. Nem mais, à palavra. Palavra falada, no caso em questão. E assim sendo, claro que o brilhantismo com que essa palavra surge na tela deve-se em muito às qualidades de representação de um actor que até ao momento tem recusado o mediatismo de Hollywood para se quedar pela sua Nova Iorque em versão mais intimista dividindo-se pelo teatro, televisão e cinema: Campbell Scott. Ele que tem sangue de actor a correr-lhe pelo corpo: é filho do conhecido (e já falecido) actor George C. Scott e da actriz Colleen Dewhurst.
     
      Roger Swanson (Scott) é um publicista nova-iorquino que para além de jogar com os desejos das pessoas criando-lhe necessidades talvez nunca antes por estas suspeitadas, tem o dom da palavra. Contudo, esse não é um dom do tipo de ter resposta na ponta da língua para tudo. Também o é, claro, mas mais do que isso Roger explana as suas ideias de uma forma tão clara e incisiva cravando o olhar no olhar dos seus interlocutores que quase os enraivece a estes por lhes tornar tão evidente o seu poder sobre eles. Apesar disso, e contra o que aparentemente esta sua postura evidencia, o publicista parece cansado do seu poder e os anti-corpos para essa capacidade de sedução cria-os precisamente através do seu discurso. Este continua inteligente, incisivo, brilhante, mas fere e causa repulsa muito mais do que cativa. Exactamente no meio de uma mini crise existencial em que mergulha depois dos seus serviços de amante terem sido dispensados pela mulher para quem trabalha – numa curiosa cumplicidade entre a vida privada e profissional, surge-lhe Nick (Jesse Eisenberg) o sobrinho de 16 anos. E este tem um pedido a fazer-lhe: quer que o tio, a quem tem na conta de um mestre na arte da sedução, o inicie na arte do amor. E durante uma noite, através dos bares e festas privadas nova-iorquinos, tio e sobrinho demonstram como a comédia da vida pode efectivamente tornar-se bem amarga e quase dramática.
     
      Estamos pois na presença de mais um daqueles filmes que nos preenchem intelectualmente sem que alguma vez se notasse um processo de intenções ou qualquer tipo de obsessão nesse sentido por parte dos seus autores. Campbell Scott, que tem uma prestação admirável como um homem infeliz numa capa de felicidade e que cultiva a antipatia alheia apesar do seu enorme potencial de charme, mostrou-se peça essencial para o sucesso deste notável empreendimento de Dylan Kidd. Como produtor executivo, tornou possível que pelo filme se passeassem os insuspeitos talentos das actrizes Isabella Rosselini, Jennifer Beals e Elizabeth Berkley. Mas também o estreante Jesse Eisenberg, o actor que faz de Nick, se mostrou perfeito no seu papel. Curiosamente, Eisenberg tem apenas duas participações em cinema de filmes já terminados e ambos estreiam este fim-de-semana no nosso país. O outro é «O Clube do Imperador», de Michael Hoffman. Quanto a Dylan Kidd ultima o seu próximo filme, «P.S.», com as participações também famosas de Laura Linney, Márcia Gay Harden e Gabriel Byrne. E se Kidd provar as capacidades demonstradas em «Roger Dodger», não apenas no nervoso mas adequado manejo da câmara como na construção de argumentos – desta feita escrevendo uma adaptação literária, então há razões para esperarmos o melhor. Para já, «Roger Dodger» representa mais uma lufada de ar fresco num panorama cinematográfico de um país dominado pelas grandes produções dos estúdios de Los Angeles.

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