sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TREZE - INOCÊNCIA PERDIDA





      JUVENTUDE INQUIETA
     
      Primeira incursão na realização por parte de Catherine Hardwicke, este filme aborda de forma dura mas honesta o lado mais cruel do crescimento na adolescência; e os pais também não ficaram do lado de fora do exercício crítico que executa.

     
      «Treze – Inocência Perdida» é uma das mais agradáveis surpresas deste início de 2004 nas nossas salas. Não que seja um filme perfeito, longe disso pese os inúmeros prémios conquistados e o troféu de realização que lhe foi atribuído em Sundance/2003, mas porque a abordagem que efectua às crises tão habituais na adolescência é extremamente inteligente não apenas na sensibilidade do relato que nos é oferecido, isto é, pelo que nos mostra, como também por aquilo que teve a coragem de esconder não caindo na tentação de procurar o escândalo como mero veículo para a mediatização do filme. O argumento foi escrito por Nikki Reed em tons ligeiramente autobiográficos, ela que também participa do elenco, e teve a colaboração da própria Catherine Hardwicke.
     
      Tracy (Evan Rachel Wood) é uma jovem ingénua mas bastante talentosa que vive com a mãe (Holly Hunter), uma cabeleireira, e com o irmão numa casa humilde dos subúrbios de Los Angeles. A mãe e o pai estão divorciados e este não parece dispor de muito tempo para a educação dos filhos, deixando todo esse ónus sobre as costas da ex-mulher. Esta recebe ocasionalmente em sua casa o amante e companheiro Brady (Jeremy Sisto), que tem uma relação tumultuosa com Tracy já que se trata de um toxicodependente em recuperação. Ainda assim, as coisas parecem correr bem até que Tracy decide tomar como exemplo de conduta e veículo de promoção social na escola que frequenta a belíssima Evie Zamora (Nikki Reed), que é não apenas a miúda mais sexy como a mais popular do microcosmos juvenil em que Tracy se insere. Lamentavelmente, Evie esconde muitos mais problemas familiares e de comportamento que propriamente virtudes e a vida de Tracy descamba então para a marginalidade e consumo de drogas. Em casa, a mãe não percebe a gravidade da situação mesmo com a deterioração do relacionamento com a filha e com o facto desta vir a acabar por comprometer o ano escolar.
     
      De facto, o alvo principal das críticas que o filme evidencia reside no alheamento dos pais em relação aos comportamentos anómalos dos filhos seja por motivo destes estarem embrenhados na resolução dos seus próprios conflitos, por simples falta de interesse ou em razão de terem tornado as suas em famílias disfuncionais. Mas a narrativa não se fica por aqui sendo encaminhada com muito a propósito, e manifestando um conhecimento perfeito dos pormenores padrão, para a rebeldia própria da adolescência e para a necessidade que os jovens têm de se tornarem notados por motivos que têm que ver com pressões sociais que lhes chegam por via do mundo dos adultos. A realização acerta em cheio, sobretudo, na forma como coloca Tracy a praticar rituais de iniciação sexual que copia de Evie, mais velha que ela, demonstrando ela mesmo, que tem treze anos, um total desinteresse pelos actos que pratica. Adoptando um estilo visual que por vezes parece confundir-se com o género documental, Hardwicke consegue criar uma ambiência de intensidade e angústia ao mostrar o desespero de Tracy quando esta se auto-flagela e, quase no final, num momento marcante do filme quando a personagem de Holly Hunter se agarra à filha rejeitando abandoná-la no momento mais delicado da sua existência.
     
      Contando com excelentes interpretações de quase todo o elenco, com destaque para Evan Rachel Wood (Tracy) e para Holly Hunter, que está nomeada para o Óscar de Melhor Actriz Secundária, este filme vem novamente remexer a ferida aberta por Larry Clarke em 1995 com «Kids», embora existam diferenças notórias entre os dois filmes, provando que as sociedades evoluídas possuem no seu seio problemas muito próprios que estão longe de conseguir resolver e que são criados pelas suas inconcebíveis exigências de frivolidade. E mesmo que sejam discutíveis algumas opções conceptuais da realização, cujos malabarismos com a câmara chegam a irritar inicialmente o espectador, este é um filme que não só merece ser visto como exige uma posterior reflexão de cada um de nós sobre aquilo que nos é dado observar. A não perder.

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