sexta-feira, 15 de outubro de 2010

SABE-SE LÁ!

  


 O CINEMA, O TEATRO, A VIDA…
     
      «Sabe-se Lá!» tem o condão de nos fazer reencontrar um cineasta francês que, aos 73 anos de idade (o filme foi rodado em 2000 e apresentado no Festival de Cannes em 2001), nos prova encontrar-se na máxima plenitude das suas vastas faculdades como realizador de filmes. A propósito deste filme que é, antes de tudo o mais, um cântico à inteligência e à elegância, é curioso constatar-se que as portas do cinema se abriram para Rivette por intermédio da escrita. Terá sido pela sua assiduidade na Cinemateca francesa que surgiu a ideia de fundar «La Gazette du Cinéma». Isto já depois de ter conhecido Godard, Truffaut e Rohmer, tendo posteriormente participado como crítico nos famosos «Cahiers du Cinéma». Sendo o teatro uma expressão artística que sempre fez questão de cruzar com o seu cinema, em «Sabe-se Lá!» Rivette ensaia a dramatização dos percursos amorosos que se emaranham por entre a ficção dos palcos e a realidade das vidas dos protagonistas.
     
      Camille (Jeanne Balibar) é uma francesa, actriz, que regressa a Paris com a sua companhia de teatro italiana que ali começa uma digressão pela Europa apresentando a peça «Come Tu me Vuoi», de Pirandello. A complexidade dramática desta comédia subtil mas intricada concretiza-se no entanto no facto de Camille ter em tempos abandonado abruptamente Paris e Pierre (Jaques Bonnatté), seu antigo companheiro. Agora que mantém um relacionamento com o encenador Ugo (Sergio Castellito) e se encontra em Paris, Camille sente o impulso de sarar feridas do passado e caminhar para o futuro de chagas fechadas. Mas como a vida é feita de contornos variados circundam em si peças várias e paralelas que os ajudam a definir ou alterar. Em «Sabe-se Lá!», essas peças são representadas pelas personagens do galanteador e falacioso Arthur (Bruno Todeschini), que é irmão da bela Dominique (Hélène de Fougerolles), e da intrigante Sonia (Marianne Basler), a actual companheira de Pierre.
     
      Nas personagens deste filme, o que se destaca à partida é o elitismo com que foram compostos os elementos por onde (quase) todos eles se movimentam. As artes, desde o teatro representado por Camille e Ugo até ao ballet do qual Sonia é professora, a ciência, pelo estudioso e professor universitário Pierre, e a estudante empreendedora Dominique, são as doutrinas mais bem representadas na trama. Na excepção que confirma a regra, apenas ao desocupado Arthur se poderá fazer a acusação de ser um outro tipo de “artista”. Mas se estas características fazem com que o filme seja coerente na enorme tranquilidade com que debate temáticas em outros meios tão susceptíveis de causar irascibilidade, é altamente confortável percebermos que a sublimidade da encenação ajuda a transmitir uma sentida emoção. E, neste aspecto, o filme não é de modo algum elitista mas antes cinema feito a partir de premissas de grande qualidade. Refira-se até um momento alto do filme que pode muito bem enquadrar-se num tipo de humor mais popular mas ainda assim bem refinado: o original duelo que Ugo e Pierre protagonizam num palco que, curiosamente, está bem acima do palco da sala de espectáculos.
     
      Rivette, conclui-se, assinou com «Sabe-se Lá!» um filme de extrema qualidade que ainda para mais tem o mérito de assumir alguma frugalidade no que a elementos dispensáveis ao efectivo desenrolar da narrativa concerne. Claro que isto só é possível quando se tem à sua mercê um lote de actores de grande competência e mérito. Foi o que aconteceu aqui, com destaque, quanto a mim, para Sergio Castellito (Ugo) e, igualmente a um nível altíssimo, Jeanne Balibar (Camille). Talvez que com outra escolha de actores, sabe-se lá!, o filme não conseguisse atingir esta excelência.

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