quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SALA DE PÂNICO



      PRISÃO DE ALTA SEGURANÇA
     
      Dos filmes com a assinatura de David Fincher espera-se sempre algo de extremo em termos de talento executor e originalidade criativa. Logo em 1992, na sua estreia com «Allien 3», o cineasta dava mostras de poder vir a tornar-se um valor acrescentado no panorama do cinema mundial. Seguiram-se-lhe o sofisticado e emocionalmente demolidor «Seven» (1995), o surpreendente e complexo «O Jogo» (1997) e, imediatamente antes de «Sala de Pânico», o mais estimulante exercício racional de Fincher, «Clube de Combate» (1999). Olhando pois a brilhante folha de serviço deste heróico soldado da causa cinematográfica, fácil será perceber-se o quão alto se encontra o nível de expectativas relativamente a cada novo trabalho seu, mas, numa clara inevitabilidade, o que igualmente fez aumentar sobre os seus ombros o peso das responsabilidades. Como sucede aliás com os soldados que pela sua audácia acabam investidos em referências de conduta pelos seus pares.
     
      O que se observa então, e primeiramente, em «Sala de Pânico», é que o talento de Fincher está lá. Bem vivo, enérgico, expedito. Pode mesmo afirmar-se com segurança que este filme é todo ele um superior exercício de realização. Os movimentos rápidos da câmara que vai percorrendo toda a casa de quarto em quarto e as diferentes posições que alcança em mirabolante reviravolta sobre si mesma mas continuamente fixa no alvo a filmar, são fundamentais para a consecução das almejadas ambiências de dinamismo da acção e sufocante sensação de claustrofobia das personagens em imperfeito espaço físico.
     
      Em paralelo ao atrás desenvolvido, tem que se reconhecer que o filme padece da habitual originalidade dos filmes de Fincher e dos surpreendentes desfechos que estes habitualmente logram alcançar. Se quiséssemos mesmo exercer alguma dureza sobre este estimado operacional das fitas, coisa que não queremos, poderíamos acusá-lo de pouca afoiteza nesta sua missão de tentativa de salvamento de duas mulheres, mãe e filha, enclausuradas num “bunker” nova-iorquino. No entanto, muito particularmente, entendo que um filme pode também ele funcionar como um comum mortal: como nós, vulgares almas deste mundo árduo mas delicioso, também um filme pode ser mais ou menos ambicioso. E se a ambição de «Sala de Pânico» se revela curta já a sua concepção mostra-se sempre rigorosa e inatacável. E aquilo que era pedido, melhor, que era exigido, ou, melhor ainda, que não poderia falhar de modo algum, é conseguido na quase totalidade dos seus 112 minutos de duração: pressão emocional e suspense.
     
      Uma constância nos filmes do combatente Fincher, cujo base de aquartelamento se mantém longe dos grandes centros produtores de stress numa pequena cidade do Oregon, é a consideração intelectual do medo como elemento aglutinador das diversas formas que os seus filmes tomam. Quase sempre de forma alheada de um alvo claro, o que não parece ser o caso de «Panic Room». Neste caso o alvo materializa-se nos três assaltantes da casa a partir da perspectiva das sitiadas. Mas, no entanto, é possível estabelecer-se uma linha racional através do factor mais do filme: a sala de pânico. Bastará que se relembrem os atentados de 11 de Setembro de 2001, o medo que o povo americano possui de uma hipotética ameaça exterior e a sua paranóia com a segurança. E, a partir daí e provavelmente a ironia suprema desta missão de salvamento de Fincher, a conclusão dramática ao descobrir-se que os compartimentos construídos para servirem de refúgio aos seus proprietários podem muito bem virar um indesejado cárcere para si mesmos.
     
      «Panic Room» pode pois não ser causa suficiente para que reunamos as tropas em parada e apresentemos armas a Fincher, mas o que é também verdade é que lhe continuamos a dever uma posição de sentido em reverência a toda a sua acção em prol do bom cinema, este não muito ambicioso filme incluído. Medalhas de mérito para a máscara de dolorosa apreensão de Jodie Foster e para a postura de infelicidade comportamental de quem sabendo que fazia o mal jamais pretendeu agravá-lo através do sofrimento de outrém numa excelente personificação de Forest Whitaker. Louvor final para Howard Shore, responsável pela vertente musical. Sem relação directa com «Panic Room» mas fundamental para se saber de quem se fala, deve dizer-se que Shore é o homem a quem se deve a fantástica e oscarizada composição musical de «O Senhor dos Anéis». E essa é uma dívida que um simples Oscar não consegue pagar.

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