quinta-feira, 14 de outubro de 2010

UM FILME FALADO

     



UMA REFLEXÃO DE MANOEL DE OLIVEIRA
     
      Prestes a completar 95 anos de idade, Manoel de Oliveira continua a demonstrar manter intacta uma capacidade criativa ímpar e digna dos maiores elogios. Mesmo para aqueles que pouco se identificam com o seu cinema. Neste filme, o velho cineasta conduz-nos por uma viagem pelo Mediterrâneo com destino a Bombaim, na Índia, e com passagem pelos lugares míticos das ancestrais civilizações ocidentais. A voz de Oliveira é a de Rosa Maria (Leonor Silveira), uma professora de história em viagem cultural ao encontro de umas férias com o marido, um piloto da aviação civil; e a voz do espectador, que o questiona, é a de Maria Joana (Filipa de Almeida), a pequena filha do casal.
     
      De forma hábil, Oliveira dribla qualquer acusação de pretensão didáctica presente na sua realização, ao impregnar o falso tom documental da narrativa de uma crítica permanente à sociedade contemporânea. Após esse registo histórico, sucede-se a homenagem mas então em tom leve de comédia e a figuras importantes da sua filmografia e do cinema com identificação cultural: John Malkovich, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli e Irene Papas. As suas personagens simbolizam nacionalidades tão díspares quanto a polaca, francesa, italiana e grega. E é também nesta variedade de origens – adicionada à portuguesa de Rosa Maria e da filha – que se encontra a explicação para o título do filme. Numa mesa do restaurante do navio, fala-se em inglês, grego, português, italiano e francês desenvolvendo, em tom irónico mas pleno de ternura e maturidade, uma conversa existencialista onde a evocação é unicamente a da própria vida.
     
      Em suma, Manoel de Oliveira não surpreende neste seu filme. Talvez nem sequer o tenha tentado. Antes se mantém fiel a um cinema que se dirige a um universo de espectadores muito específico e que sabe o que procura quando acede aos seus filmes. A reflexão que exerce, e que parte de premissas simples mas extremamente eficazes ligadas ao conhecimento da história para perceber o presente, culmina em tom assaz apocalíptico. É a visão pessimista do homem sobre o mundo que o rodeia que nos é transmitida pelo meio de comunicação que privilegiou por toda uma vida tão longa quanto rica, o cinema.

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