quinta-feira, 14 de outubro de 2010

UMA CASA NA BRUMA

     





SONHOS DESFEITOS
     
      Ainda que atolada em lugares-comuns romanescos, a estreia de Vadim Perelman na realização pode considerar-se muito bem sucedida mesmo que, à partida, lhe fossem desde logo distribuídas cartas muito boas do baralho; entre estas estava um ás de trunfo: Ben Kingsley.

     
      É curioso que esta história de mal-entendidos a ensombrarem o sonho americano tenha a dirigi-la um natural da antiga União Soviética, nascido em Kiev e radicado nos EUA. De facto, «House of Sand and Fog», no seu título original, foi realizado pelo imigrante Vadim Perelman, cuja experiência anterior na realização, ainda para mais, se circunscreve à publicidade. Enfim, é apenas a prova de que para si o sonho americano está a dar os seus frutos. O filme, esse, resulta da adaptação do ‘bestseller’ homónimo da autoria de André Dubus III e, para esta sua estreia, Perelman obteve a chancela da Dreamworks o que lhe permitiu contar com um elenco que não sendo de luxo é no entanto de grande qualidade. Para além de Ben Kingsley, que acabou de ser merecidamente nomeado para o Óscar de Melhor Actor por este seu papel, o cineasta que veio do frio teve ainda a satisfação da colaboração da oscarizada Jennifer Connelly. Nada mau para um mero estreante, há que reconhecer, até porque as características pessoais dos dois actores assentaram que nem uma luva na ideia de oposição de culturas que (des)une as suas duas personagens no filme.
     
      Kathy (Connelly) é uma mulher jovem, empregada doméstica, abandonada pelo marido e com um historial de problemas de dependência de álcool e drogas. Ela vive precariamente numa pequena casa de férias herdada do pai. Até que um dia é surpreendida pelas autoridades com um mandado de despejo por falta de cumprimento com o pagamento dos seus impostos. Sem ter para onde ir, é ajudada por Lester (Ron Eldard) um dos Ajudantes do Xerife que a despejaram em cumprimento da lei. Por outro lado, Behrani (Kingsley) é um antigo Coronel iraniano a quem expulsaram do seu país e que possui o sonho de dar à sua família – vivem consigo a mulher e um filho – todas as comodidades que já tiveram ao seu dispor no Irão. Behrani compra a casa de Kathy bem abaixo do seu valor num leilão e pretende vendê-la com muito lucro cumprindo assim o seu sonho. Acontece que, sabe-se depois, Kathy fora despejada por erro administrativo embora a sua incúria em muito contribuísse para tal. A única forma de reaver a sua casa é as finanças readquirirem-na de novo, mas Behrani recusa-se a vendê-la pelo valor que a comprou. A partir daqui, com a ajuda preciosa de um perigoso Lester, inicia-se uma autêntica guerra psicológica entre os dois contendores.
     
      A fotografia do filme, sempre a buscar fragrâncias de intensa melancolia como ilustração para o drama que se vive, é absolutamente determinante para a sensação de tristeza que ressalta da tela. Apesar disso, são óbvios os esquematismos narrativos por que envereda a realização de Perelman evitando com isso correr riscos mas provando a sua parca experiência atrás das câmaras. Por outro lado, existem momentos em que os acontecimentos descritos parecem artificialmente criados com o único objectivo de obtenção dos desenlaces apropriados sem grande preocupação com a verosimilhança destes com a realidade. Ainda assim, quero crer que essas fraquezas – chamemos-lhes assim, não prejudicam o impacto da história junto do espectador.
     
      Realce-se a forma como a riquíssima composição da personagem de Kingsley, figura aparentemente pouco simpática, demasiado austera e solene mas extremamente correcta e rigorosa nas suas acções, exprime com acutilância as diferenças de uma cultura, a de um país árabe, em contraposição com o modelo cultural norte-americano de que a personagem de Jennifer Connelly é, ainda para mais, um exemplo de baixa auto-estima. Também a personagem de Nadi (Shohreh Aghdashloo), a mulher de Behrani, é fundamental para o sucesso do filme não apenas pela excelente interpretação da actriz que a representa como pelo modo como se torna numa vítima indefesa dos acontecimentos. No final, fica-nos a certeza de que até um simples mal-entendido pode ter o mais inacreditável e doloroso dos desfechos. Em suma, «Uma Casa na Bruma» é não apenas uma agradável aliança entre o cinema e a literatura com boa atmosfera romanesca e um par de excelentes representações, com destaque para Kingsley, como uma valorosa primeira obra que os amantes do género dramático não devem perder.

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