quinta-feira, 14 de outubro de 2010

UMA CASA, UMA VIDA




      O HOMEM DE MORTE DATADA
     
      «Uma Casa, Uma Vida» é um filme simples mas rico em cenários que se desenvolvem na complexidade psicológica mais íntima do ser humano. É sem dúvida um filme sobre a família e aborda em primeira e última análise a desagregação da família absorvendo em si mesmo o conceito mais absoluto dela mesma. Também é verdade que este belíssimo filme realizado por Irwin Winkler, transporta na sua génese uma mensagem de certa forma inconveniente na justa medida em que nos incita a aproveitar a vida de certo modo e, que me perdoem a crueza das palavras, cada um deve ser feliz na justa medida daquilo que pretende da SUA vida. É que, Irwin, “man”, quem és tu, quem somos nós para julgar as diferentes opções de vida de outrém ou quem sabe mesmo se este ou aquele não serão felizes exactamente no modo como dão cabo da sua própria vida à luz daquilo que julgamos adequado ou aceitável!? Mas Winkler aproveita muito bem para se justificar na moral do seu filme porquanto mostra o que todos devemos saber: que a certa altura das nossas vidas não somos inteiramente livres para optar porque existem outras vidas dependentes da nossa.
     
      Numa espantosa falésia sobre o Oceano Pacífico vive numa autêntica barraca um peculiar arquitecto que se deleita a provocar a vizinhança. George Monroe (Kevin Kline), é uma espécie de “yuppie” falhado, de marido falhado e de pai falhado de um filho problemático (Hayden Christensen). Um filho embrenhado em traumas profundos que vive ainda o maior dilema existencial da adolescência e que consiste na sua própria indefinição quanto aos mais elementares atributos da sua personalidade. Mas o provocador arquitecto observa num só dia alterações dramáticas na sua vida. É despedido do seu emprego de mais de 20 anos e, após um desmaio que o leva ao hospital e a respectivos exames médicos, fica a saber que um cancro fatal lhe diminuiu a esperança de vida para simples meses a partir dali. Chegara a altura de fazer o que sempre sonhara: construir uma casa e ganhar a estima do filho que quase não o conhece.
     
      Primeira constatação observada a sinopse e lida a introdução: não existe afinal nenhum aproveitamento banal da vida e o que nos fica é um filme de escape e redenção na figura de um homem cujo anúncio da morte lhe lembrou, aqui sim, essa mesma vida. Deve dizer-se que toda a construção das personagens foi feita de forma irrepreensível e, por absurdo que pareça, é exactamente nessa perfeição que se pode atacar o filme: porque nessa perfeição existem demasiadas parecenças com aquilo que observamos na vida real. Por outro lado, «Life as a House» não deixa muito espaço para o vazio, para aquilo que se poderá designar como a libertação da história para a idealização a partir dela concebida pelo espectador. Está tudo lá. Numa narrativa sólida e de fácil apreensão por qualquer espectador, quer se trate de um cinéfilo inveterado ou de um pára-quedista ocasional. E isso em arte, em expressão cinematográfica particularmente, pode ser considerado um sacrilégio. Mas existe um problema mais grave com este filme: é um filme que pode emocionar apesar de nunca o fazer de forma gratuita dado tratar-se de uma realização de inatacável honestidade intelectual. Mas, tal como nos querem fazer crer que hoje em dia temos que ser todos magros para parecermos bem, também dá muito má imagem gostarmos de um filme que emociona. Faz parte da modernidade e enquadra-se perfeitamente naquilo que serão os parâmetros para definir a exemplaridade da evolução da espécie humana. Mas é pena.
     
      Uma última palavra para todo o trabalho de actores provando que, a um nível elevado, quando a personagem não possui mácula criativa se facilita bastante o trabalho da corporização. E, apenas para destacar os melhores porque todos estão bem, Kevin Kline (que acaba o filme quase literalmente em pele e osso), Kristin Scott Thomas e Hayden Christensen dão-nos um recital de interpretação de personagens da vida comum. Por tudo isto e sem mais delongas, vou ser um autêntico esbanjador em estrelas e dizer-vos que, se forem ver o filme, não receiem vir a gostar do que viram. É que acredito que este é um filme simples e fácil, mas muito bonito e intensamente real.

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