quarta-feira, 13 de outubro de 2010

BLADE 2








EVOCANDO SADE E EM REFERÊNCIA A NOSFERATU, EIS O VAMPIRO DO FUTURO
     
      Em «Blade II», aquilo que assistimos é à tragicomédia em que se transforma a diabólica existência dos vampiros do futuro que se envolvem nas suas próprias convulsões, ou seja, se vêem obrigados a uma aliança com o inimigo do passado de modo a lutarem juntos contra uma superior variação genética de si mesmos. É curioso verificar o exercício racional dos autores do filme, e isto mesmo sabendo que a sua base criativa parte de mais uma B.D. da Marvel (pois claro, a Marvel, sempre a Marvel), que coloca os vampiros, esta apavorante raça que sob a aparência da morte durante o dia abraçava a vida durante a noite buscando saciar a sua sede de sangue humano, que aqui se atola numa tensão feita de angústias e dúvidas que os dilaceram e ameaçam no seu futuro. Para nós, meros humanos que até usamos o alho como especiaria e nos enfeitamos com a prata, é reconfortante assistir a isto.
     
      Mas «Blade II», sendo um filme de vampiros, e mesmo sabendo nós que a sua mais genuína referência se encontra no velhinho «Nosferatu», de Murnau, pouco deve à espécie no sentido mais clássico da sua definição. Desiluda-se pois quem vá à espera de se sentir emudecido, paralisado mesmo, pelas sombras assustadoras ou pelos gritos na noite que a rasgam e nela ecoam pela calada, pela palidez de um corpo feito cadáver depois de despojado do seu sangue. Nada disso. Em «Blade II» deixe-se entusiasmar pela espectacularidade das cenas de luta com os mais sofisticados movimentos das artes marciais, com o ritmo trepidante com que se seguem as decapitações, e delicie-se, é isso mesmo, delicie-se, com o vermelho do sangue que abunda no filme e com o adorno que lhe dá a exposição das vísceras humanas. Mas esta verdadeira pândega vampiresca tornada festa “gore” é abrilhantada pela música pavorosamente romântica de, por exemplo, Ice Cube, Fatboy Slim e dos Massive Attack. Um verdadeiro festival, atrevo-me a concluir.
     
      Pois é! O mexicano Guillermo del Toro, realizador do filme, caprichou nos efeitos visuais e mandou declaradamente às malvas qualquer possibilidade de se encarar este filme de modo tradicional. É uma película de excessos, onde há uma clara inversão de valores e onde o bom é ser-se mau e quanto mais feio melhor. Pode acusar-se o argumento do filme de alguma parcimónia em matéria de substância interior. Pois eu digo: foi de propósito. Foi de propósito! Quem é que deseja, neste peculiar objecto fílmico, que o espectador se perca em considerações estéreis de conteúdo quando o que unicamente tem que fazer é apreciar deliciado o estardalhaço estético com que é brindado na tela? É sem dúvida um filme que se atreve, este «Blade II» de del Toro. Lamenta-se apenas um momento menor do filme mas que, ironia das ironias, consegue quase fazer em quem aprecia tudo o resto aquilo que tudo o resto provoca em quem não aprecia particularmente a maioria das cenas: uma agonia atroz, uma imensa vontade de bolsar. É quando Wesley Snipes pergunta ao cientista aliado dos vampiros se ele é humano e ele responde: “- Humano? Eu não diria tanto, já que sou advogado!” Banal, simplista e oportunista.
     
      Em suma, apavoradora surpresa e um deleite total este medonho «Blade II». E quando saímos da sala completamente grogues, esse efeito de atordoamento surge quase como um efeito de ressaca em muita gente. Ou seja, sentimo-nos pessimamente na altura mas foi bom até ali chegarmos.

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